É noite de domingo e bem que eu pretendia escrever sobre a melancolia da noite de domingo. Mas fui à janela e, lá, vi uma perfeita meia-lua no silencioso céu feirense. A visão dissipou essa sensação, que vem à tona mesmo durante a pandemia. “Meia-lua inteira”, lembrei, então, da canção alegre de Caetano Veloso. Em volta, estrelas miúdas cintilando com timidez. Mas distingui as Três Marias que, nos últimos dias, percorrem uma trilha curva, à minha frente, no céu feirense que permanece limpo à noite mesmo depois do começo do outono.
As
buzinas escandalosas das motos interrompem, com muita frequência, esses
exercícios de contemplação. Boa parte dos que se aventuram à noite, durante o
toque de recolher, são entregadores de comida. Chegam, desembarcam, ajeitam as
bolsas térmicas nas costas, avançam apressados examinando o endereço preciso do
cliente e emprestam algum ânimo ao fim da noite.
À
distância, as silhuetas dos espigões que arremetem contra o céu feirense. À luz
do dia são imponentes, modernosos. Mas, de longe, à noite, faíscam luzes
oscilantes e recortam o horizonte com discrição. As inevitáveis lâmpadas
vermelhas, no topo, emprestam ânimo. Quando chega o inverno feirense e nuvens
avermelhadas, baixas, deslizam pela orla do céu, suas formas se insinuam, mais
nítidas. Há até alguma alegria vendo-se as luzes acesas.
Em
São Paulo, muitos chamam a concentração de arranha-céus na capital de “floresta
de espigões”. A Feira de Santana, porém, é muito mais horizontal. Parece que o
feirense aprecia mais pisar o chão do que empoleirar-se nas alturas. Assim,
estamos distantes de, orgulhosamente, cultivar nossa floresta de espigões. Aqui
há, no máximo, um bosque que vai se adensando aos poucos.
Curioso
o contraste entre as noites de domingo e de segunda-feira. A primeira é
melancólica, vazia, exangue. A segunda é viva, enérgica, vibrante. Talvez
permaneça, na atmosfera, a energia mercantil que anima a cidade logo cedo na
segunda-feira. Mas é só especulação: provavelmente pouca gente presta atenção a
esse detalhe. Sobretudo nesses tempos de pandemia, com a rotina tão alterada.
O
fato é que a noite de domingo vai avançando e a lua marcha em direção ao oeste,
assim como as Três Marias e uma porção de estrelas que minha ignorância
astronômica impede de nominar. O ronco aflito do motor de um caminhão vence a
distância e vem se esgotar aqui perto. É na Avenida Contorno? O silêncio é
suficiente para absorver esses sons distantes? Não sei.
A
dúvida fica no ar. E a perfeita meia-lua inteira vai se afastando, se
despedindo...
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