Lá fora as cigarras cantam com frequência. E, no crepúsculo, sempre ouço um sabiá magistral. São sons característicos do verão que, por sinal, caminha para o final. Sem praias, a Feira de Santana não inspira aquele espírito da estação, comum em quem mora em cidades litorâneas. Quem deseja mergulhar neste astral viaja, vai veranear. Quem não pode pragueja contra as manhãs escaldantes, as tardes tórridas, as noites abafadas. E aguarda ansioso as temperaturas mais amenas, que só costumam chegar em meados de março em diante. Ou as trovoadas ocasionais, que refrescam um pouco.
Por
aqui, quem pode, aprecia a magia do crepúsculo. O problema é que os
entardeceres têm sido coalhados de nuvens, algumas cinzentas. Não são incomuns
as muralhas de nuvens azuladas na orla do céu, bloqueando o espetáculo. Mas
pelo menos à noite o vento limpa o céu e as estrelas faíscam, muito vivas,
lembrando para o espectador feirense que, afinal, é verão.
Quanta
diferença do espírito praieiro do soteropolitano! Levas começam a acorrer às
praias já no começo da primavera, misturando-se aos turistas extasiados que se
encantam com a cor do mar e com a cor do céu. Por lá, nada dessas nuvens – cumulus – que encobrem o céu feirense. O
azul muito vivo – ímpar – entorpece, embriaga o espírito de uma beleza que não
conhece palavras.
Antes,
aquela tensão festiva crescia à medida que se aproximava o ciclo de festas
populares – esquecido nas últimas décadas – e, com elas, as celebrações de fim
de ano e as altas expectativas em torno do Carnaval. É a temporada em que o bom
humor, a cordialidade, a disposição para a festa dos soteropolitanos amplificam-se.
No Carnaval, por fim, alcançava-se o ápice. Baianos, turistas e agregados
misturando-se numa ofegante epidemia – a expressão é de Chico Buarque – que
durava mais de uma semana.
Depois
do êxtase, vem março e a exaustão. Ampla, profunda, irrestrita. Por lá começa a
caudalosa estação das chuvas, com seus aguaceiros contínuos. O soteropolitano,
então, se recolhe sob o céu acinzentado, denso de nuvens de chuva. Não há mais
o azul irretocável do céu, a luz indescritível das manhãs de primavera.
Prevalece, então, uma espécie de depressão coletiva que só se desfaz com o fim
do inverno.
Na
Feira de Santana, o calendário – do clima e o festivo – funciona sob uma lógica
diferente. A “ofegante epidemia” feirense, a Micareta, ocorre em abril, fora da
temporada turística tradicional. As chuvas e a temperatura mais amena do outono
não abalam o feirense, feliz sem o calor tórrido. Aqui também não há – óbvio –
toda essa celebração pagã do verão praieiro. O feirense prefere dedicar suas
energias ao São João, que é farto quando trovoadas desabam entre o verão e o
começo do outono.
Resgato
estas lembranças que jorram, aos borbotões, no atípico 2021 da pandemia. Sem
Carnaval, sem Micareta e com disseminação alarmante da Covid-19, justamente
porque muitos não conseguiram se conter e foram às praias, às festas, às
aglomerações comuns à época. Na Bahia, o fim de semana promete ser de comércio
fechado e circulação restrita de pessoas, para tentar frear a contaminação.
Tudo melancólico e tenso.
Talvez
seja por isso que as lembranças cintilam e tentam despertar a esperança de que,
lá na frente – Deus sabe quando – vai se retomar o fio da rotina. Com seus
prazeres e, até mesmo, com suas dores...
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