Para escapar das incessantes notícias ruins, tenho buscado refúgio no céu. Não, não me converti a nenhuma fé barulhenta que pulula pelas esquinas, com sua gritaria desenfreada, seus deuses iracundos, seus acenos de prosperidade material. Dedico-me a algo mais bucólico: apreciar a noite feirense, com seus fiapos de nuvens, suas estrelas cintilantes, seu silêncio intuído, sua imensidão inimaginável. Nesses longos – mas profundamente prazerosos – serões, não há como não pensar na energia criadora do universo. É uma trilha que conduz a Deus mais que às religiões.
Nesses
momentos sempre penso na filosofia de Baruch de Espinosa. Conheci-a garoto – 19
anos – quase por acaso: ganhei um daqueles exemplares da série “Os Pensadores”
com boa parte da produção do pensador holandês. Familiares estavam se mudando
e, na casa nova, não havia espaço para aquele exemplar que já estava esquecido
numa estante. Enfronhei-me, então, na leitura do “Tratado de Correção do
Intelecto”, do “Tratado Político” e, sobretudo, da “Ética”.
Com
o desassombro típico dos iniciantes, avancei na leitura complexa e firmei a
partir dali a noção de Deus – do Universo, no fundo, que se confundem em
Espinosa – que me acompanha até hoje. Muitos definem Espinosa como panteísta.
Que seja. O fato é que aquela noção racional de Deus é completamente
incompatível com o que se vê por aí: um deus iracundo, colérico, caprichoso, temível.
Esses atributos – sentimentos – são uma reação a algo que é externo. Existe
algo estranho – externo – a Deus? Não, segundo Espinosa. Daí que esse deus que
se vê aí não passa de uma patética projeção humana.
Espinosa
era judeu e acabou excomungado por sua comunidade. Suas ideias, de fato, são
pouco efetivas para quem utiliza Deus para projetos de poder. Viveu uma vida
simples e reclusa em Amsterdam e Haia, no século XVII, extraindo seu sustento
do polimento de lentes. Trezentos anos depois, sua filosofia inspirou Albert
Einstein na elaboração da teoria da relatividade. Quem dizia isso era o próprio
Einstein, que deu forma matemática às formulações do pensador holandês.
Visitei
Amsterdam e conheci o Bairro Judeu em que Espinosa viveu. Lá, tive o privilégio
de tirar uma foto ao lado da estátua em sua homenagem. Naquele momento, voltou
o êxtase juvenil que a leitura de Espinosa despertou em mim. Dois sujeitos –
funcionários de um supermercado próximo – fumavam sentados junto ao pedestal,
num intervalo de trabalho. Minha alegria ruidosa afastou-os, conforme desejava.
Pude fazer a foto que guardo como recordação.
Conservo,
até hoje, o mesmo exemplar que li. Está repleto de anotações a lápis – julgo
que fiz uma leitura até interessante para quem não tinha nenhuma bagagem
intelectual – e um pouco desgastado pelo manuseio contínuo. Essas leituras
alimentaram muitos papos com amigos de imprensa ao longo dos anos. Obviamente,
leitura sem rigor acadêmico, de quem despertou em si uma centelha de
consciência com implicações transcendentes, conforme Espinosa propõe, no fundo.
É
noite de sábado e escrevo com os olhos na capa do livro, lembrando as distantes
manhãs ensolaradas em que me debruçava sobre ele. E constato que a filosofia de
Espinosa me forneceu uma perspectiva de razão e de fé que produziu um
equilíbrio que, hoje, ajuda-me a ir atravessando esses tempos tormentosos...
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