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A esperança de chuva no dia de São José

A previsão do tempo no celular indica chuva na Feira de Santana na sexta-feira (19). Sei que estas previsões costumam enganar, mas é bom que chova na sexta-feira. Afinal, é o dia consagrado a São José no catolicismo. E, segundo a secular sabedoria sertaneja, quando chove nesta data é sinal de inverno bom, com safra generosa a partir do final do semestre. Até aqui, em 2021, choveu pouco. Os céus foram avaros em janeiro e fevereiro. Nenhuma trovoada caudalosa pela região, no máximo esparsas precipitações mais encorpadas.

Note-se que os primeiros sinais do outono já estão no céu. No poente, já não há aquele jato sanguíneo que se irradia pela amplidão, típico do verão. Os tons amarelados esbranquiçaram-se e, quando não há nuvens, o sol se põe lembrando uma esfera de aço incandescente. Quem planta e colhe, preocupa-se: os dias avançam e nada das águas de março chegarem, para fechar o verão.

É claro que as mudanças climáticas, às vezes, desconchavam até a sabedoria sertaneja. Aí, mais que a ciência popular, é indispensável intuição e, até, alguma sorte. Ano passado as chuvas foram regulares e caíram em grande quantidade. Quem plantou no tempo certo – um conceito impreciso na voz do povo – foi feliz. Alguns, hesitantes, perderam a janela de oportunidade, para recorrer a uma expressão tão em moda. E colheram menos do que planejavam.

Safra boa é sinônimo de comida na mesa de quem compra e de dinheiro no bolso de quem planta. Sobretudo em tempos de inflação galopante para os mais pobres. Na agricultura familiar, seguir os ciclos da natureza, labutando na rotina do plantio e da colheita, é uma categórica afirmação de vida. Ainda mais nesses tempos atrozes em que a pulsão da morte vem sufocando o impulso primordial da vida.

Se tudo der certo, serão três dias com chuva aqui na Feira de Santana. A temperatura máxima vai superar os 30 graus. A mínima vai alcançar confortáveis 21 graus. Infelizmente, nem sempre essas previsões se confirmam. Na zona rural, certamente é grande a ansiedade e maior ainda a fé em São José. Não fosse a pandemia, os comentários se alargariam, seriam comuns nos corredores do Centro de Abastecimento. Mas a Covid-19 afugentou muita gente do entreposto.

Raízes rurais explicam minhas inclinações pela faina no campo. Mas, hoje, não é só isso que me move. Nesses tempos em que expressões como “morte” e “genocídio” se tornaram corriqueiras no Brasil, até banais, é necessário agarrar-se – sofregamente – a tudo aquilo que recende a vida. A chuva que molha a terra, o rebanho que engorda, a plantação verde, tenra, tudo isso reacende esperanças e sabe-se que, apesar de todos os horrores que estão aí no noticiário, um dia tudo isso vai passar.

Não sabemos – ou já sabemos parcialmente – a que preço, mas vai passar. Então, não se pode perder a perspectiva. E cultivar cada minúscula semente de esperança.

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