– Para que tanto papel?
E
ficou, por alguns instantes, observando a banca multicolorida, repleta de
publicações. Revistas de moda, de culinária, de esportes, de decoração e
arquitetura, de receitas, de telenovelas. Afora os jornais, com suas fotos e
manchetes, empilhados, comunicando acontecimentos, requisitando atenção. Havia
também livros numa prateleira, plastificados, anunciando filósofos, grandes
pensadores, coisas assim. “Gente diabólica”, murmurou e foi se afastando.
Na
lateral da banca, uns livros com capas sanguinolentas, mulheres seminuas,
títulos chamativos em vermelho, em azul. Romances. Best Sellers. Romances? Aquilo era pornografia, bastava olhar a
capa. Volumosos, tinham muitas páginas, muita coisa escrita. Para quê aquilo?
Moças que lessem iam desembestar, querer ser iguais aos homens. E os rapazes?
Iam virar comunistas, subversivos, defender revoluções, invejar a riqueza dos
ricos.
Parou
no meio-fio da avenida Getúlio Vargas. E ficou aguardando uma brecha para
atravessar. A luz do sol naquele começo de manhã se refletia num átimo sobre o
dorso dos automóveis que avançavam velozmente. Aproveitou para examinar as
fachadas das lojas, os letreiros coloridos.
–
Isso aí é que é leitura com utilidade!
Letreiro
de loja, placa em esquina, os panfletos que se distribuíam pelas esquinas
tinham sua utilidade. Informavam, esclareciam. Mas essa coisa de muito papel, de
muita leitura, era inútil. Nem bíblico aquilo era. Tudo bem que a Bíblia tinha
muita palavra, mas era diferente. É a Palavra de Deus. E todo mundo lia
devagar, um versículo ou outro, nada de gastar vista, lacrimejar, se arriscar
em muito debate, muita especulação.
–
Mesmo que leitura demais endoida!
É
o caso de muitos maconheiros. E também dessa turma de universidade, que fala
muito e ninguém entende. Para quê tanta palavra, tanta conversa, tanto
discurso, Deus do céu? Escola devia ser só para aprender a fazer conta, ler um
bilhete, garatujar umas linhas, ler um versículo da Bíblia. É assim que
qualquer país prospera. Tempo demais em escola devia ser aproveitado para o
trabalho, para já ir aprendendo um ofício, uma profissão.
Estudar
só para ser médico, engenheiro, profissão prática. Nada de teorias, de
ideologias. Essas coisas são perigosas.
–
Bom dia para você!
No
cruzamento da Getúlio Vargas com a Barão do Rio Branco o sinal fechou.
Aproveitou, então, para atravessar a avenida, ziguezagueando entre os automóveis
retardatários. O vento suave e os passos apressados sacudiam um pouco a saia
comprida, farfalhuda. O coque, hirto. Para onde ia com tanta pressa? Para uma
consulta médica, no oculista. Estava enxergando pouco, precisava trocar os
óculos.
Ah!
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