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Sensações na Rio-Santos numa radiosa manhã de junho

 

Nunca havia pensando nisto, mas sempre tive uma identidade mais sólida com a BR 116. É que, além dela praticamente ser uma via urbana na Feira de Santana, sempre me desloquei por ela em inúmeras viagens, nas mais diversas situações. Nos tempos fervilhantes de movimento estudantil, conheci-a até Fortaleza, em algumas viagens; deslocando-me em direção ao Sul, percorri-a até Porto Alegre. Isso para não mencionar viagens aqui mesmo pela Bahia, que sempre implicam percorrê-la.

Com a BR 101 – a emblemática Rio-Bahia – sempre cultivei uma relação mais distante. É que ela passa fora da Feira de Santana. Também percorri longos trechos, em viagens fragmentadas, de João Pessoa até Vitória. Percorri também um trecho de belas paisagens, entre Porto Alegre e Florianópolis – num radioso dia de primavera – mas nunca alimentei grande apreço pela BR 101. Talvez seus trechos perigosos, as suas curvas, sua vocação litorânea – que atrita com minhas raízes sertanejas – justificassem o sentimento.

O fato é que, num curto período de férias, recente, revi este conceito. É que percorri a famosa Rio-Santos, na chamada Costa Verde, no Litoral Sul do Rio de Janeiro. Nestes tempos tormentosos de pandemia, senti o bafejo da vida normal – tão ansiosamente aguardada – da melhor forma possível, deslumbrando-me com magníficas paisagens.

Quem percorre a Via Dutra e envereda pela BR 493 em direção a Itaguaí – uma rodovia monótona com gado pastando nas planícies e morros pelados em volta – não desconfia das belezas que se descortinarão à frente. Abruptamente, na conexão com a BR 101, surgem os primeiros vestígios de Mata Atlântica e – e pela cor do céu em dia limpo – intui-se a presença do mar, logo ali.

Curvas sinuosas, aclives e declives, copas exuberantes de mata nativa, montanhas de pedra, montanhas com vegetação frondosa, tudo vai deslumbrando os olhos acostumados à monotonia do isolamento social, aos mesmos horizontes limitados. A manhã azul – azul irretocável – vai expirando, suave, despejando uma luz úmida, puríssima, filtrada desde o topo das árvores.

Mas, apesar de tanta beleza, talvez as lembranças mergulhassem nalgum escaninho da memória e, delas, só restasse uma recordação doce, mas difusa.

Havia, porém, o mar, de um azul-verde cambiante, impossível de descrever. Mais que ele, graciosas ilhotas se sucedendo, com sua vegetação ostensiva; estreitíssimas faixas de areia branca – imaculada – esmagadas pelas montanhas e morros verdejantes e pelo mar azul de tons verdes; mais além, à distância, a Ilha de Itacuruçá, a Restinga da Marambaia, a Ilha Grande, às vezes se diluindo numa tênue cortina d’água.

Ao longo da BR 101, placas comunicando aquele suceder de belezas: depois do acesso a Itaguaí, vinham Itacuruçá, Praia Grande, Mangaratiba, Conceição do Jacareí, Angra dos Reis, Barra Grande e, por fim, Parati, no extremo do Litoral Sul do Rio de Janeiro. Travessia de tirar o fôlego, embora me deslocasse confortavelmente acomodado.

Às margens da Rio-Santos, vilarejos e povoados com suas apelativas placas comerciais, suas borracharias, seus restaurantes e hotéis, seu comércio miúdo e – em trechos mais restritos – placas sinalizando os reluzentes condomínios dos endinheirados.

Sei que a viagem me fascinou, talvez pelo prolongado período de isolamento social, sem grandes deslocamentos ou rotina de viagens. Movido pela ânsia comum ao viajante, retornei pretendendo voltar, até já fiz pesquisas, revi paisagens pela internet.

Só que, desolado, descobri também que as milícias cariocas e da Baixada Fluminense já estendem seus tentáculos naquela direção, de olho nos lucros do tráfico de drogas. Durante a viagem, extasiado, até resgatei um pouco daquele ufanismo pelas belezas brasileiras. O episódio, porém, tratou de me reapresentar ao Brasil dos dias que vão aí correndo, tormentosos...

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