Eram
cinco bebendo no mercadinho de periferia. Fim de manhã de sábado. Escuro –
lâmpadas apagadas para economizar energia –, mal ventilado, piso encardido.
Sobre o antigo freezer repousavam
dois pratos com restos de sardinha enlatada e mortadela, lambuzados de farinha.
Talheres sujos, jogados com displicência. Num canto, descansavam as garrafas de
cerveja barata – o popular litrinho,
como diz o baiano – já enxugadas. Conversavam aos berros, reforçando os
argumentos com gestos enfáticos.
–
Patifaria da zorra essa no Ministério da Saúde! Imagine! Um dólar por dose de
vacina! Quatrocentos milhões de doses de vacina! Quanto é que dá isso, ô
Renato?
O
que falava ostentava camiseta regata, a pança projetando-se no tecido azul.
Renato, no caixa, ficou calado. Preferiu não se enfronhar naquela refrega. Talvez
não soubesse a cotação do dólar na véspera. O mais velho, de barba rala e
cabelos grisalhos, comentou, espantado:
–
E tudo caro. Olha o preço do gás, da luz, do remédio. Carne nem falo mais. Tá
difícil até comer frango. Daqui a pouco pobre não come mais nem ovo. E essa
turma lá, metendo a mão. Esse País não tem jeito mesmo...
Foi
então que o mais calvo se animou, lançou um olhar de esguelha. Camiseta de
bloco de Micareta, meia-idade, ar desconsolado, braço peludo, ruço. Mas não
falou nada e, enquanto entornava um gole largo, os outros seguiam exumando a
República, varejando os malfeitos que se avolumam no noticiário. E ele lá,
desconfortável.
–
Bem que eu falava para Astolfo que isso de governo honesto, incorruptível, era
conversa fiada. E ele aí, acreditando, defendendo. Agora tá aí calado –
Reforçou o que gesticulava, escandalizado com as credenciais dos mercadores de
vacina do Planalto Central. Astolfo era o ruço, o governista.
Enveredaram,
então, por comparações com governos anteriores, como era a vida. Um ganhara
dinheiro no ciclo da construção civil, outro tem dois filhos com diploma de
nível superior, um terceiro recordou agruras da inflação galopante, a relativa
bonança da Era Lula.
–
O hômi vai acabar com os pobres na bala, na fome, no desemprego! Fora quem já
morreu de Covid!
Astolfo
animou-me, começou a recitar escândalos de corrupção dos governos petistas. Mas
sem aquela indignação febril de outros tempos. Não o conheço, mas presumi que
fora enfático, incisivo, como todos os que condenavam os escândalos de
corrupção imputados aos petistas naquelas jornadas gloriosas.
O
dos gestos enfáticos cortou Astolfo com um aceno eloquente e aconselhou, com
uma comiseração teatral:
–
Astolfo, Astolfo... Cuidado, Astolfo! Se tu sair gritando “ladrão” ano que vem,
vai ouvir “latrocida” de volta!
Recordei
dos tempos de repórter policial. E lembrei que o latrocida se encaixa no
parágrafo terceiro do artigo 157 – roubo – do Código Penal Brasileiro. Roubo
seguido de morte. Ou morte seguida de roubo. Entornei o derradeiro gole da água
mineral que eu retardava para ouvir aquela conversa e segui adiante,
mergulhando na luz estonteante do sol.
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