A
chuva miúda que cai das nuvens avermelhadas – minúsculas gotículas – dilui um
pouco as luzes da Feira de Santana. Mais à frente dilui a própria paisagem, que
se condensa em sombras indistinguíveis lá para os lados do centro da cidade.
Venta um vento frio. Mas ele é insuficiente para sacudir a copa encharcada das
palmeiras imperiais, que pendem, luzidias. Faz 21 graus, segundo a tela do
computador. Ninguém desafia o calçamento encharcado. É uma noite de domingo
digna de cena de cinema.
A
manhã de domingo também foi bem característica: céu azul, vento suave, luz
cariciosa do sol, uma paz na atmosfera que até contagiava os espíritos.
Destoando de tudo, só uns urubus voando distantes, em círculos, farejando
carniça. Depois vi alguns deles bem miúdos, no alto do céu. Tão altos que até inspiravam
um silêncio que se somava ao clima ameno, à mansidão do domingo.
A
pandemia favoreceu essas observações gratuitas, sem propósito. Antes dela, todos
andavam amarrados, escravos de suas agendas. Até os finais de semana tinham sua
rotina. Faltava tempo para estes momentos de ócio, de contemplação vadia. A
pandemia mostrou que também são importantes, conectam o indivíduo ao seu eu
interior, ao seu âmago.
Sempre
ouço gente reclamando do contato escasso com a natureza, da sufocante vida
urbana. O problema é agudo sobretudo nas grandes cidades, com seus edifícios,
seus automóveis, suas distâncias, sua correria, seus minutos contados. Muitos
se refugiam em fantasias sobre vida no campo ou, sôfregos, dedicam-se a
jornadas rurais nos momentos de folga.
Outros,
coitados, despossuídos, não têm casa de campo. Às vezes, sequer uma tapera
qualquer numa roça acanhada. Então, por isto, é necessário aproveitar qualquer
expressão da natureza ao redor – a árvore, o pássaro, o sol, a lua, o vento, as
estrelas, os animais domésticos – já que os idílios no campo são para poucos.
Em áreas urbanas, parques e praças arborizadas cumprem essa função. A Feira de
Santana, descuidosa, não oferece esse direito a seus munícipes.
Noto
que o chuvisco recomeçou. Esfria. Passam mais carros e, à distância, espocam os
derradeiros fogos deste São João sufocado pela pandemia. Amanhã é segunda-feira
e, na quinta, começa o segundo semestre deste aziago 2021. Mas é melhor não
antecipar nada disso e ir ver os paralelepípedos que ficam belos, reluzentes, sob
a garoa...
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