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O ninho da andorinha junto à janela

 

Ainda faltam alguns dias para a primavera, mas a reprodução dos pássaros começou. Notei ontem à noite. Nos intermitentes – mas solenes, cheios de presságios – silêncios da noite de domingo, às vezes ouvia um pi-pi-pi débil, suplicante. Calava-se e, mais à frente, retornava para, mais uma vez, silenciar. Atento, apurei os ouvidos e um inconfundível sacudir de asas desvendou o mistério. O vão do aparelho de ar-condicionado abriga um ninho, com filhotes, como costuma acontecer nas primaveras.

Curioso, tentei descobrir quem são os vizinhos. Mas tudo que flagrei foi um voo assustado quando, desastradamente, apareci na janela. Julguei distinguir um dorso azulado, reluzente à luz do sol do fim do inverno. Mas posso ter me enganado, apesar de intuir a navegação precisa das andorinhas. Num intervalo de trabalho, decidi me dedicar a uma espécie de campana, durante alguns minutos.

Sem sucesso. Fui presenteado, porém, com uma cena pitoresca: um iracundo bem-te-vi cortando o céu, tangendo dois pombos cinzentos, desajeitados, que, apesar de bojudos, rendiam-se àquela valentia. Vibrei vendo o bem-te-vi retornar, ligeiro e sério, após cumprir sua missão. A primavera – o chuvoso inverno feirense estertora – encanta com suas flores e também com o bulício dos pássaros, álacres.

Comecei a sentir esta atmosfera dias atrás. Num tanque, no topo de um prédio, dois carcarás pousaram depois de singrar o céu num voo simétrico. Descobri, então, que se tratava de um casal: um deles emitiu aquele som grave dos carcarás e tentou cavalgar a fêmea que, desajeitada, refugou o flerte.

Ela saiu voando num rompante, deixando atrás de si o macho desconsolado, desamparado. Mas, persistente e esperançoso, ele também alçou voo e o casal desapareceu detrás da fachada de um prédio da urbana Feira de Santana.

No domingo, ouvi um sabiá magistral, numa mangueira, no Sobradinho. A apresentação foi soberba. Foram seis longos meses de silêncio, mas o implacável suceder das estações restabeleceu o seu canto. Ouvindo-o, até o calor crescente – logo a Princesa do Sertão estará tórrida – parece suportável, estimável até.

Com a primavera, reatam-se alguns fios tênues de rotina, disposição para aproveitar a estação, planos ainda vagos de viagens, de reencontros, de vida, enfim. Pelo menos já se começa a vislumbrar – mesmo que os cuidados permaneçam – o controle da pandemia com o avanço da vacinação.

O que falta acabar é esta interminável noite metafórica, indevassável. Mas isso, infelizmente, não depende dos impostergáveis ciclos da natureza, nem da ciência que o conhecimento legou aos seres humanos. Infelizmente.

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