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O hábito antigo de ouvir rádio

 

Os longos meses de pandemia me reaproximaram do rádio. A gente mais velha e do interior é propensa ao aparelho, pois ele informa, alegra, tange os silêncios inconvenientes e, mais recentemente, até ajuda a espantar a solidão do isolamento social. Cultivo o hábito de manter um aparelho, ligá-lo diariamente: confesso que o celular e o fone de ouvido matam muito da espontaneidade do rádio, de sua casualidade, de sua alegria. Não sei explicar. Talvez seja caturrice de quem vai ficando velho. 

O rádio tem os seus momentos mágicos: quando toca uma música que desperta um sentimento qualquer ou quando – naqueles informes que se sucedem o dia inteiro – há uma referência a uma rua, a uma cidade ou a um lugar remoto perdido por aí, provocando uma terna saudade, a lembrança de um momento distante na vida. Por alguns instantes, o ouvinte mergulha no passado. Depois, o sentimento se desfaz.

Cresci ouvindo as antigas emissoras AM. Aliás, no começo dos anos 1980 as emissoras FM eram novidade. Com o passar dos anos, foram se consolidando, encantando a juventude daqueles tempos, que preferia só ouvir música. Hoje a frequência AM vem sendo abandonada e a programação evoluiu, programas noticiosos se mesclam à programação musical, atendendo públicos mais amplos, com quase todo mundo abrigado na frequência FM.

Mas – confesso – aquela trajetória longínqua ouvindo emissoras AM fincou raízes, firmou-se em minhas predileções. É bom ouvir canções antigas, propagandas que soam até ingênuas àqueles traquejados em capitais, referências a lugares da cidade que todo mundo conhece bem, menções a ouvintes conhecidos, figuras populares. Tudo impregnado daquele espírito do interior, pacato, avesso às turbulências das metrópoles.

É bom ouvir rádio à noite. Nos telejornais, prevalecem imensas desgraças nas grandes cidades, tragédias mundo afora; ou aquelas notícias vazias, adocicadas, sobre lugares remotos. Tudo distante, longínquo, inquietante para o sujeito pacato. No rádio, não. Mesmo as notícias sobre lugares distantes ganham um tom local, o apresentador às vezes é conhecido. Quem ouve – mesmo quando se noticia uma desgraça destas qualquer – sente um certo conforto, alguma identidade.

Ouvindo o rádio o sujeito se sente mais firme no chão que conhece bem, aquele que costuma pisar. Isso o torna confiante para ver-se sempre no mesmo lugar, cercado de referências conhecidas. Mesmo que, no fundo, a vida seja feita deste incessante derruir do que está aí, sólido, inabalável, instantes atrás.

Não é à toa que o rádio faz tanto sucesso junto ao sujeito simples do povo, com baixa instrução, que vive por aí desarvorado com as novidades deste mundo...

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