O
sábado foi de chuva persistente e frio suave na Feira de Santana. Até o
meio-dia via-se gente se aventurando pela rua, enfrentando a garoa que, em
alguns momentos, caía feito chicotada. À tarde o movimento começou a declinar.
E, agora à noite, os pedestres são ainda mais escassos. Quem passa, enverga
agasalho, cabisbaixo para não expor o rosto ao vento e à chuva. Mas quase
ninguém passa. Até mesmo o movimento de veículos é mais raro.
Ouço
o som vivo da água escorrendo pelo encanamento. Quando se chega à janela,
ouve-se e se vê o vento sacudindo as copas encharcadas das sibipirunas,
revoltas, o balanço indócil das palmeiras imperiais. Não sei por quê – talvez
exatamente por causa da chuva – a noite de sábado vai escorrendo com aquela
melancolia típica das noites de domingo. Tento ouvir músicas distantes,
qualquer ruído que afugente a quietude, mas é inútil.
Note-se
que, na segunda-feira, é feriado na Feira de Santana. Celebra-se Senhora
Santana. Mas nem a perspectiva de um domingo dobrado – muita gente não vai
trabalhar na segunda – empresta ânimo à chuvosa e escura noite de sábado.
Através da cortina d’água, avermelhada pela luz elétrica dos postes, adivinho o
casario do centro da cidade, na penumbra, envolto em solidão.
Enquanto
o tempo escorre lento, lembro de Fabiano, personagem de “Vidas Secas”, de Graciliano
Ramos. Numa chuvosa e fria noite de inverno – “Inverno” é o nome do capítulo –
ele esfregava as mãos, satisfeito. Afastava-se ali, momentaneamente, a
perspectiva da seca, da fome, da miséria, de mais uma migração forçada. Até já
citei o mesmo episódio numa crônica passada. É o que trecho traduz bem o que é
espírito do sertanejo que vive no campo.
Talvez
no rural feirense haja agricultor – exatamente agora – apreciando a chuva miúda,
esfregando as mãos feito Fabiano, feliz com a colheita que se anuncia. Quem
mora em ambiente urbano nem sempre compartilha deste contentamento. Pensa na
rotina atrapalhada, no incômodo em sair e se molhar, no frio. Pode ser que o
silêncio denso derive destas sensações, deste desconforto.
Será
que o domingo amanhece cinza com os dias anteriores? Haverá um sol radioso,
revigorando ânimos? A previsão do tempo indica que não. Então é melhor seguir
aproveitando estes dias, examinando a chuva, as silhuetas encharcadas dos edifícios,
as nuvens avermelhadas que rolam na orla do céu, bem detrás dos prédios e das
antenas com suas luzes vermelhas, minúsculas.
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