- Não vai? Já está acabando! Esse ano já
diminuiu bastante!
Essa peleja eu testemunhei no centro da Feira
de Santana. O primeiro interlocutor entrou em êxtase logo após a vitória de
Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Apostava naquele Brasil diferente que as mídias
sociais do candidato anunciavam e defendia a “nova política” com ardor. Pelo
jeito, suas convicções sofreram abalos consideráveis. Afinal, já abandonou a
defesa enfática. O segundo, desde sempre, é um intrépido defensor dos governos
lulistas. Coube a ele o desfecho do papo:
- Tudo o que existe para o pobre vai acabar!
Negro, pobre, morador da Rua Nova e torcedor
do Fluminense de Feira, ele enumera sem dificuldade os benefícios da era
petista para os mais pobres: a ampliação do Fies, os programas habitacionais,
as políticas de transferência de renda – sobretudo o Bolsa Família – e os
reajustes do salário-mínimo. Recita sem pestanejar porque foi aquilo que o
beneficiou mais diretamente. Ou a seus familiares.
Ao contrário dos petistas – que juram,
compungidos, que Lula é uma alma honesta – ele tem uma outra visão sobre os
escândalos de corrupção que abalaram a legenda e levaram seu principal líder
para o cárcere. É uma visão, aliás, muito disseminada entre o povão:
- Todo mundo sempre meteu a mão. Só porque o
cara tirou o dele tinha que ser preso?
Sobre a crise, ele tem uma perspectiva muito
concreta, palpável, a do pobre que circula pela Feira de Santana. Observa a
Marechal Deodoro menos febril na manhã de sábado, a Sales Barbosa que já foi
fervilhante, espicha o olhar em direção ao Centro de Abastecimento, às colinas
azuladas que circundam a Feira de Santana:
- Tá tudo parado. Ninguém tá fazendo dinheiro,
não.
O desemprego cresceu desde 2015 – a crise é,
inclusive, legado petista – e não dá sinais de que vá arrefecer no curto prazo.
A renda de quem se vira por conta própria foi comprimida. Quem vende – nessa
Feira de Santana de acentuada vocação comercial – constata o sumiço da
clientela. Quem não sumiu compra menos, regateia no preço, dá menos lucro.
O pior de tudo é que a brutal supressão de
direitos em curso tende a aprofundar essas dificuldades, não o contrário. A
reforma trabalhista legada por Michel Temer – com salário de irrisórios R$ 4,65
a hora nas jornadas intermitentes – somada à draconiana reforma da Previdência,
em tramitação, vão excluir ainda mais os pobres dos circuitos formais,
aumentando a precariedade e a informalidade.
- Quem ajudou o povo foi Lula. O resto só fez
tomar.
É a constatação do interlocutor. Ano passado,
muito acadêmico, muito jornalista, muita gente ilustrada dizia que o voto do
pobre era de cabresto, não era algo racional. Era uma desqualificação só. Pois
bem: a classe média letrada – e, por dedução, supostamente racional – votou em
massa em Bolsonaro. Está sendo alvejada em todos os flancos pelo novo regime.
Talvez seja bom começar a se rediscutir esse
conceito de racionalidade.
Comentários
Postar um comentário