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O sintomático silêncio dos eleitores brasileiros

As eleições de 2018 vão representar uma inflexão radical no Brasil. Não necessariamente na dimensão ideológica, embora seja indiscutível que as urnas podem consagrar projetos heterodoxos que tangenciam, até mesmo, a democracia e suas instituições. Mas a guinada extrema a que me refiro situa-se na dimensão comportamental, do eleitor. Seguramente desde o restabelecimento da democracia nunca se viu clima tão acirrado, tanta reserva até para manifestar uma opinião banal sobre política, mesmo entre pessoas próximas, até da mesma família.
Tudo por conta do ódio que foi se avolumando desde as eleições de 2014. Esse ódio foi impulsionado pelas festejadas redes sociais, que, se por um lado tornam mais cômoda a vida moderna, com todas as suas facilidades, por outro funcionaram como incubadora e disseminadora desses sentimentos negativos que fraturaram a sociedade brasileira.
Manifestações absurdas de preconceito, de intolerância e de discriminação trafegam livremente pela Internet, encontrando adesões entusiasmadas e, quando contestadas, provocando reações iracundas. Não é raro se deparar até com a defesa da eliminação física daqueles que são vistos como inimigos – quem pensa diferente e adota condutas divergentes – sem nenhum tipo de constrangimento.
Ameaçar de morte ou agressão, então, se tornou corriqueiro. Alguns podem alegar que os espancamentos são raros e que mortes, até aqui, não foram confirmadas. Mas nem é preciso o registro formal da violência física para despertar instintos defensivos que bordejam até o pânico. É só observar o comportamento das pessoas pelas ruas para constatar essa situação, mesmo na Bahia, cujo eleitor é visto como mais “arejado”, como pouco afeito às desavenças partidárias.

Autoritarismo

Publicamente, pouca gente vem se dispondo a enveredar por comentários políticos. Há quem se solte, mas só depois de prolongados minutos de observação, quando percebe que pode se sentir mais à vontade com o interlocutor. Foi-se o tempo em que, quem perdia a eleição, arcava com a gozação de ser taxado de “jacu baleado”. Até havia irritação ou alguma desavença, mas isso se diluía pouco depois.
Hoje se regrediu a situações típicas da República Velha ou daqueles remotos municípios interioranos aonde o ranço oligárquico nunca se dissipou. A política, aquela que é vista como arte do diálogo e da construção de consensos mínimos em quadras civilizadas, tornou-se artigo em desuso. O rebenque, o chicote, o grito – e a barganha mais abjeta, a sujeição mais abominável e o interesse imediato mais mesquinho – vem sendo alçados à condição de regra.
Daí os silêncios eloquentes, os olhares desconfiados, o desconforto e a inquietação quando se fala de política em público. Virá, de lá, uma agressão, uma defesa veemente de práticas abomináveis? É sempre melhor se precaver, evitar bate-papos que podem desembestar em impropérios. É patente que comportamentos defensivos do gênero não são comuns em sistemas democráticos sadios. 
Os mais otimistas diriam que é coisa transitória, que se dissipa à primeira crise desse modus operandi. Talvez: é indiscutível a inclinação do brasileiro para o autoritarismo – não para o exercício da autoridade – e, pelo jeito, aquela máscara democrática que subsistiu de 1985 até 2016 está sendo abandonada de vez. O esforço de pacificação do País deveria ser o primeiro gesto de quem vencer as eleições. Mas isso não parece ser a intenção daqueles que estão aí, favoritos à eleição.

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