Nos
próximos meses a oposição à extrema-direita – que chegou ao poder no Brasil –
deve se recompor e começar a se articular. Contrariando a lógica pretérita – na
qual os partidos políticos eram, praticamente, os únicos catalisadores da
insatisfação com os donos do poder – o País deve viver experiências inéditas a
partir daqui. Muitos ainda não perceberam, mas aquele intervalo batizado de
Nova República – e que se estendeu de 1985 a 2016 – findou. Uma nova dinâmica
deve reger a política desde já.
Isso
significa que a importância relativa dos partidos políticos, por exemplo, deve
diminuir. Desde 2013, com aquelas monumentais manifestações, ficou evidente que
os canais convencionais da democracia representativa – como os parlamentos –
estão desgastados e precisam sintonizar-se às ruas, arejar-se, refletir o que
pensa o cidadão comum.
Isso
não foi feito até aqui. E deu no que deu: um candidato de extrema-direita –
Jair Bolsonaro (PSL) – com um calculado discurso iconoclasta chegou ao poder,
derrotando a esquerda letárgica e a centro-direita paralisada por antigas convicções.
Enquanto se rearrumam, os derrotados – incluindo os liberais autênticos –
deveriam aprender com a desastrosa experiência eleitoral de 2018.
Acostumados
ao toma lá dá cá, às barganhas vergonhosas, ao impudico mercadejar, os partidos
encastelaram-se em seus privilégios e afastaram-se da população. Em grande
medida, isso alavancou a ascensão de novas expressões de luta coletiva – como
coletivos e movimentos autônomos – e de demandas que não reverberavam pelos
canais políticos tradicionais. Trata-se, portanto, de uma cisão que conferiu
maior complexidade ao cenário político.
Paradoxalmente,
esses desarranjos viabilizaram a ascensão da extrema-direita nas eleições de
outubro. É que a esquerda tradicional – os partidos que vinham compartilhando o
poder desde a vitória do petismo em 2002 – ignoraram esses movimentos e, em
muitos momentos, foram francamente hostis. Resolveram apostar num modelo falido
cujo estertor final aconteceu em outubro.
Novas formas
A
emergência dessas formas não partidárias de expressão política, porém, é
irreversível. Será enorme o desserviço da oposição que pretender represá-las,
cerceá-las, esvaziar-lhes o conteúdo. Enfraquecerá uma batalha que se desenha
árdua e, no fim das contas, pode se traduzir numa fragilidade que tenderá a
perpetuar a extrema-direita no poder.
Também
não será produtivo tentar projetar-se a partir delas, usá-las como alavanca
eleitoral, conforme se faz muito hoje com movimentos sociais. Mas o que virá?
Ninguém sabe. A marcha, contudo, começa com uma constatação óbvia: o caminho
será muito árido e esses ardis – tão convenientes no passado – não produzirão
os mesmos resultados no futuro.
A
seara para a reaglutinação dos progressistas a partir daqui, porém, é ampla:
não vai se limitar ao combate às nocivas investidas orquestradas por Michel
Temer (MDB) contra direitos trabalhistas, previdenciários ou contra o patrimônio
público; envereda por uma gama mais ampla de direitos e implica em ameaças à
própria democracia.
Essas
ameaças estão em recorrentes discursos dos novos donos do poder. Mas, apesar da
conjuntura funesta do momento – com uma agenda política obscurantista em
evidência – é patente que, no futuro, não poderá haver democracia sem crescente
participação social. É a lição que fica dos dias atuais para quem pretende
manter distância asséptica da barbárie lá adiante.
Isso, claro, caso a própria
democracia não seja suprimida no futuro. Os rumores nos meses que antecederam
as eleições – e mesmo algumas insinuações contra as instituições que, em tese, amparam
a democracia – têm sido inquietantes.
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