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Eleição não dissipará sombras sobre a democracia

Faltam menos de quinze dias para as eleições presidenciais. Pelo que se percebe,  o cenário já está mais claro, com as prováveis presenças de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) no segundo turno. É a tendência que as últimas pesquisas sinalizam, embora seja desejável manter a prudência. Afinal, essas são as eleições mais imprevisíveis desde a redemocratização do País, em 1985. Embora improváveis, reviravoltas não podem ser descartadas, sobretudo num momento de paixões afloradas, em que o ódio e o fanatismo impulsionam muitos posicionamentos.
Pelo que se percebe, o discurso da temperança, da sensatez – associado às candidaturas do chamado “centro” – naufragou: Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (PMDB) e Álvaro Dias (Podemos) empolgam pouco o eleitor, conforme também sinalizam as pesquisas. Desse pelotão, só quem ainda alimenta esperanças é Ciro Gomes (PDT), que mesmo assim perdeu terreno na última semana.
Clareza em relação ao segundo turno não quer dizer, necessariamente, que enfim se verá a dissipação da crise política que sacode o País desde 2014. Afinal, os favoritos para o embate final vêm apostando na radicalização: de um lado, Jair Bolsonaro com sua retórica beligerante e suas propostas que assustam aqueles segmentos mais esclarecidos; do outro, o petismo destila mágoa e cultiva um radicalismo que lembra a primeira disputa presidencial da legenda, no longínquo ano de 1989.
As estratégias vêm dando certo: movida pelo ódio, pelo desespero, pelo saudosismo da bonança pré-crise ou pelo desamparo – nenhuma motivação exatamente racional – boa parte do eleitorado embarca nas duas candidaturas que a imprensa rotula como “extremas”: Jair Bolsonaro à direita e o acomodatício petismo – tarimbado no exercício do poder – associado a uma fantasiosa esquerda radical.

E lá adiante?

Se o processo eleitoral se esgotasse em si mesmo – uma gincana tola – tudo bem: a destilação de bílis seria compreensível, talvez até aceitável. O problema é que eventuais gestos insensatos defronte a urna vão produzir efeitos pelos próximos quatro anos. Imerso em crise entrelaçadas – econômica, política e ética – o que o País menos precisa é de experiências radicais, sobretudo porque o salseiro atual já se arrasta desde as eleições passadas.
Como eleger quem se dispõe a resolver problemas complexos no braço – ou, pior ainda, na bala – e não vislumbrar a barbárie cortejando o futuro? Como acreditar que, governado a partir do cárcere, o Brasil não vai mergulhar numa crise mais intensa e ainda mais danosa – principalmente para os mais pobres – de final imprevisível? Noutras circunstâncias, talvez essas questões provocassem alguma reflexão. Não é o caso no momento.
Tudo indica que, caso vença o pleito, o petismo vai abandonar o programa de governo radical e abraçará o “centrão”, incluindo aí boa parte do MDB. A fórmula, inclusive, é antiga: vence fustigando à esquerda, mas governa ladeado pela direita. Só que o País vive uma crise singular e, conforme apontado, os nervos estão à flor da pele. Pode faltar paciência à população na revisita desse modus operandi.
As disposições de Jair Bolsonaro são ainda mais preocupantes. Além do rearmamento da população, o que o candidato pretende? É uma incógnita. As idas e vindas, os recuos em relação a determinados posicionamentos tornam tudo mais nebuloso. Não faltam alertas sobre as disposições autoritárias do candidato e sua trupe.
O fato é que, apesar das eleições programadas, a democracia brasileira permanece respirando por aparelhos. E, o que é pior, não se desenha no médio prazo a dissolução desse cenário.

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