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Que futuro aguarda o Brasil a partir de 2019?

Jair Bolsonaro (PSL) é, indiscutivelmente, favorito no segundo turno das eleições presidenciais. Afinal, impôs uma larga vantagem no primeiro turno e só não liquidou a fatura porque os nordestinos votaram maciçamente em Fernando Haddad (PT), assegurando-lhe um sobrefôlego eleitoral. Não é à toa que o candidato – sem nenhum pudor – já fala sobre composição de ministério e da ocupação de postos-chave na administração federal. A cautela costuma ser norma nessas circunstâncias, mas o candidato está tão convicto do seu sucesso que faz suas tratativas sem os cuidados de praxe.
Se essa fosse sua única excentricidade, seria ótimo. Há muitas outras, pra lá de alarmantes. Uma delas é a relação com o vice na chapa, o general reformado Hamilton Mourão. Loquaz, o militar defende ideias descabidas – como uma nova Constituição elaborada por “notáveis” – e não se intimida nem quando é contestado. Afinal, sua patente é muito mais alta que a do capitão reformado titular da chapa. Sintoma de conflitos vindouros?
Em matéria econômica há um enorme vácuo, apesar da terrível recessão que se arrasta há três anos, que produziu milhões de desempregados e fez o Produto Interno Bruto – PIB despencar de maneira inédita. Que medidas serão adotadas para reativar a economia no curto prazo e assegurar estabilidade e fluxos de investimentos no médio e no longo prazos? Ninguém sabe. O presidenciável e seu guru econômico – o empresário Paulo Guedes – vivem às voltas com um terrível bate-cabeças.
Não se fala nada, também, sobre a crônica questão de serviços públicos, como a saúde e a educação. O candidato, no máximo, repete o assustador discurso do armamento da população para conter a violência. Quem quiser – e quem puder, porque arma é cara – que compre um revólver ou uma pistola, porque, tacitamente, o candidato reconhece que o Estado não pode garantir um mínimo de segurança ao cidadão. Cada um que cuide de si.

Despreparo

É visível que Jair Bolsonaro se lança à aventura presidencial sem equipe, sem preparo e sem, sequer, um discurso articulado. Isso para enfrentar – se é que pretende isso – uma inédita combinação de crises política, econômica, institucional e moral. Tudo indica que o País, que claudica desde 2014, tende a seguir trôpego a partir de 2019, com desdobramentos imprevisíveis no longo prazo.
Mesmo assim, o candidato despertou um fervor fanático da gente identificada com a extrema-direita e uma adesão entusiasmada – e inconsequente – de milhões de desavisados que encorparam a onda conservadora. O que fundamenta tanta devoção? Provavelmente, uma aversão irracional pela política tradicional e a sedução do discurso simplista do candidato.
Não é necessária grande acuidade para perceber que, combinados, esses elementos constituem uma receita perfeita para o desastre. Crescimento da violência, aumento das tensões sociais, perseguição às minorias e apelo autoritário – esse sem, sequer, a máscara eleitoral – são os prováveis desdobramentos dessa aventura que o brasileiro abraça por aversão ao petismo e à política tradicional.

Petismo

Coordenada a partir do cárcere de Curitiba – no qual segue preso o ex-presidente Lula –, a campanha de Fernando Haddad é singular, pitoresca. Nem surpreende tanto que Jair Bolsonaro tenha obtido uma vantagem tão expressiva. Para começar, o presidenciável passou mais tempo associando sua imagem à de Lula que, propriamente, apresentando propostas ou discutindo a grave crise que o Brasil atravessa.
A crise econômica, aliás, foi atribuída à oposição, numa reinterpretação criativa da trágica gestão Dilma Rousseff (PT). Essa, inclusive, foi matreiramente “esquecida” nos programas eleitorais. No mais, o candidato se limitou a exaltar os feitos dos 14 anos de petismo, ignorando os monumentais escândalos que corrupção nos quais a legenda se atolou. Sinal de que, no futuro, teríamos mais do mesmo? Isso deixou muito eleitor ressabiado.
Mas, apesar de tudo, o petismo não tentou revogar a democracia nos 14 anos em que esteve à frente do País. Ninguém garante que se poderá dizer o mesmo de Jair Bolsonaro. A palavra “democracia”, a propósito, figura pouco nos discursos do candidato. Aproveitando o trocadilho dos seus catecúmenos, é bom “já ir” se preparando, porque o futuro imediato do País tende a ser dos mais ásperos.

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