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Eleições e “Fake News”

“Por que você não quer acreditar nessa notícia?”.
A indagação foi feita a um profissional de imprensa feirense numa dessas redes sociais que se acessa pelo celular. A notícia – se é que se pode chamar assim – era uma evidente mentira sobre um poderoso político da capital.
Mas, nesses tempos em que se propala muita fé, bastava um pouco de crença para que aquilo fosse visto como fato em potencial. Justamente nisso aí o profissional da imprensa foi cobrado: “Por que você não quer acreditar nessa notícia?”. Um pouquinho de credulidade converteria aquilo em verdade. Daí a sair compartilhando, bastava um leve impulso.
A “notícia” era mentira, mas, mesmo assim, os comentários ácidos se multiplicaram – aquele habitual e covarde linchamento virtual – com a ferocidade costumeira. Mas, renitente, essa indagação – “Por que você não quer acreditar nessa notícia?” – ficou pulsando na memória.
É que ela definiu – de forma involuntária, diga-se de passagem – com felicidade rara esses tempos de beligerância digital. Notícia deixou de ter um fato como matéria-prima – o que é – para se aventurar pelo universo subjetivo e se ajustar às crenças do receptor. É quase como objeto de fé: acredita-se, ou não, a depender da perspectiva ideológica de quem consome a “notícia”.
Isso significa que “notícia” em rede social não precisa, necessariamente, ter conexão com a verdade ou com a realidade. Partindo-se dessa premissa, tudo se torna relativo. Primeiro se cultivou o primado da versão sobre o fato, que podia ser retorcido até transmutar-se naquilo que se desejava comunicar, nas ácidas trincheiras digitais, sobretudo naquelas aonde transitam os temas políticos.
Agora esse recato – sim, tornou-se recato “apenas” torcer os fatos, até distorcê-los – foi abandonado de vez: prevalecem as mentiras deslavadas, as manipulações grosseiras, os ataques rasteiros, as investidas traiçoeiras.
O internauta e eleitor – que é quem decide, no próximo domingo (28), os rumos do País –, todavia, parece à vontade nessa carnificina de reputações e na inédita fustigação das instituições que, bem ou mal, deveriam sustentar a cambaleante democracia brasileira. O turbilhão de comentários e compartilhamentos, lastimavelmente, atesta essa afinidade.
Em eleições anteriores era comum que, passado o pleito, os ânimos serenassem. Com o advento das guerrilhas digitais, não se sabe se isso vai se repetir. Afinal, 2018 pode replicar 2014 e a espiral de conflitos se prolongar pelos próximos anos. Ou subitamente não, afinal, por aqui, tudo pode sempre piorar.

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