A
praça de alimentação do shopping estava cheia no meio da tarde de uma
terça-feira ensolarada. Era janeiro – e verão – em Niterói. Uns bebericavam
café ou água, outros devoravam enormes sanduíches, havia quem manejasse
talheres no almoço tardio e as tradicionais batatas fritas e pipocas faziam o
sucesso habitual nesse ambiente. O entra e sai nas lojas era constante, muitos
circulavam exibindo sacolas e embrulhos, o êxtase do consumo contagiava adultos
e crianças.
Subitamente,
os olhares foram se voltando para o centro da praça de alimentação. E, do nada,
muita gente começou a correr: a correria desses poucos, em instantes, se
transformou na debandada de uma multidão que buscava as escadas rolantes, a
aparente segurança das lojas de fachadas envidraçadas, os corredores distantes
do epicentro da confusão.
Mulheres
aflitas com crianças, adolescentes em pânico, marmanjos amedrontados, todos se
afastaram em poucos segundos. Gente tropeçou em mesas e cadeiras, houve quem se
refugiasse sob os balcões ou mesas. Não era briga, porque não havia pugilistas
em cena. “É assalto, tem um homem armado”, gritou uma moça, assustada.
O
som dos tiros, porém, não veio, o que reduziu aquele pânico contido, calculado,
rotineiro, de quem está acostumado a essas cenas de filme de terror. É o triste
caso da população do Rio de Janeiro. Não demorou muito e dois policiais
militares surgiram na cena: portavam fuzis e avançavam com calma, ambientados à
rotina de guerra no estado de paisagens paradisíacas.
Tensão baixou
Lentamente
a tensão baixou: policiais e seguranças conversavam, os funcionários do
shopping se aproximaram com nervosa cautela. A debandada foi grande:
assustados, amedrontados, os frequentadores ganharam as ruas próximas, foram
resgatar seus automóveis no estacionamento, sair o mais depressa possível. Os
seguranças desconversavam quando alguém buscava informação sobre o que
aconteceu: “Foi um mal-entendido” ou “Não estou sabendo de nada, não”.
Horas
depois, através da imprensa, surgiram explicações para a tarde de pânico: um
traficante de São Gonçalo – município vizinho a Niteroi – resolveu passear no
shopping com a namorada. Alguém viu e o denunciou às polícias Civil e Militar:
durante a campana – em plena praça de alimentação onde se aglomeravam centenas
de pessoas – um frequentador qualquer viu alguém armado, interpretou que
haveria um assalto e resolveu correr, deflagrando a confusão.
Durante
o escarcéu quem demonstrou sangue frio foi o traficante: escafedeu-se por uma
das saídas, aproveitando o pânico da multidão. Na batalha de versões, travada
através de notas, as polícias Civil e Militar não como conseguiram explicar,
satisfatoriamente, a prisão frustrada do criminoso, considerado de alta
periculosidade.
Crime organizado
Estava
no shopping no momento da confusão e testemunhei, espantado, o pânico controlado
de quem está acostumado às cenas de guerra e, também, à necessidade de fugir dos
ambientes conflagrados. As pessoas afastavam-se apressadamente, mas cautelosas,
para não tropeçar e não se deixar paralisar pelo medo. Típico de quem,
tragicamente, vai acumulando experiência com essas situações.
Naquelas
cercanias – o shopping fica no centro de Niterói – os confrontos são
constantes, dizem os moradores da cidade. No morro do Estado, ali próximo,
tiros de fuzil são comuns nas refregas entre policiais e traficantes. Mesmo a
dezenas de metros – às vezes centenas – é necessário precaver-se, correr para
buscar abrigo. Daí a perícia da população fluminense nessas situações.
O
ambiente de guerra que caracteriza o Rio de Janeiro há décadas tem,
evidentemente, múltiplas causas. Uma delas, porém, parece consensual: a
estruturação do crime organizado no estado. Esse mesmo crime que, Brasil afora,
se organiza e que vai impondo sua agenda de terror aos brasileiros.
Tomara que o temor seja
infundado. Mas, às vezes, o Rio de Janeiro de hoje dá a sensação de que é o
Brasil de amanhã...
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