Pular para o conteúdo principal

Feira ferve com remoção de camelôs do centro

Originalmente publicado em Set/2020


Expirou terça-feira (15) o prazo dado pela prefeitura para os camelôs que trabalham nas ruas centrais da Feira de Santana se mudarem para o festejado shopping popular, erguido ali na área do maltratado Centro de Abastecimento. Mas, no dia seguinte, ninguém fez a mudança: estava todo mundo lá no calçadão da Sales Barbosa, na avenida Senhor dos Passos, nos becos e vielas que há décadas regurgitam com o fervilhante comércio informal feirense.

O impasse – anunciado há muito, mas desdenhado pela prefeitura – ganhou ares mais dramáticos com a pandemia do novo coronavírus. Segundo prepostos da prefeitura, os trabalhadores ganharão oito meses de isenção na cobrança de aluguel e taxas de condomínio. Só que eles resistem, intuindo prejuízos. E querem negociar. Até aqui, a prefeitura não sinaliza para uma negociação.

A inquietação da categoria não é gratuita. Afinal, a pandemia não acabou e a recessão está aí, à vista de todos. Caso fiquem inadimplentes, que farão? Perderão o box e – o que é pior – não poderão retornar ao centro da cidade, conforme os planos já anunciados pela prefeitura. Perspectiva bem lúgubre, que exige soluções bem pensadas. Para eles, trata-se de uma questão de sobrevivência, quase de vida ou morte.

Na Justiça, esses trabalhadores tentaram uma liminar suspendendo a remoção. O pedido foi negado e, agora, a prefeitura pode começar a remover as barracas a qualquer momento. Na terça-feira houve um ensaio – a rua Recife foi interditada, mas sem a retirada das barracas – e os camelôs se mobilizaram, chegando já no fim da noite no local. Vídeos que circularam amplamente mostram a tensão e o desespero de alguns deles.

Parece evidente que a prefeitura precisará sentar para negociar com a categoria. Pelo que se vê, eles não exatamente se recusam a se instalar no festejado shopping popular: querem negociar condições mais favoráveis para a remoção e para lá permanecerem. O pleito, portanto, é bastante razoável. Lá do Paço Municipal, no máximo, sinalizaram com a já mencionada extensão da isenção. É pouco.

Decisões precipitadas – sobretudo no delicado momento eleitoral que vai começar, precedido por uma calamitosa pandemia – podem produzir resultados desastrosos. Não para os endinheirados artífices da parceria público-privada, mas para camelôs e ambulantes, gente que cria o próprio trabalho e vive tentando se equilibrar com dinheiro curto. Principalmente num momento de aguda retração econômica, é bom ressaltar.

É óbvio que é preciso revitalizar o centro da cidade, que vive feio e maltratado. E adotar medidas que facilitem o trânsito de pessoas pelas calçadas, porque a situação, sem dúvida, é caótica. Mas isso exige um arranjo que contemple, também, o lado mais frágil envolvido no imbróglio: os camelôs e ambulantes que estão nas ruas pela ausência de melhores oportunidades de trabalho.

Talvez, aqui na Feira de Santana, deva se buscar inspiração na gestão de ACM Neto (DEM), em Salvador. Lá, relocações do gênero foram concertadas no centro sem grandes altercações e, há pouco, tocou-se um exitoso projeto de revitalização do Centro Antigo. Tudo feito com planejamento e competência técnica, o que a própria oposição vem sendo forçada a reconhecer...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express