Pular para o conteúdo principal

A peleja do “mito” contra o imperialismo ianque

Originalmente publicado em Nov/2020

Chegou a hora dessas milícias bronzeadas mostrar seu valor. Essa semana Jair Bolsonaro, o “mito”, manifestou disposição para um conflito armado com os Estados Unidos. É isso mesmo: antes de instituir por aqui um califado bíblico, vamos nos apossar da América. Nem o mais entusiasmado acólito do “mito” pensaria que, num intervalo tão curto, o Brasil se converteria num portento militar. Bastou um ano e pouco de mandato. Imagino que estejam afoitos por aí, desejando mostrar serviço. 

Muita gente apostava que o “mito”, com seu histórico de atleta, não teria constrangimento em curvar-se para Joe Biden, o democrata eleito presidente dos Estados Unidos. Afinal, ele demonstrou ampla flexibilidade na espinha com Donald Trump, o presidente republicano derrotado.  Não foi bem assim, pelo menos até agora. O “mito”, estoico, sustenta sua subserviente lealdade ao herói destronado.

Então o que os bravos patriotas estão esperando para organizar seções de recrutamento de voluntários Brasil afora? Os que esbravejam nas calçadas, nos botequins, nos cafés, nos púlpitos, nos corredores das repartições, finalmente podem canalizar suas insatisfações, extravasar sua hostilidade. Basta se alistar numa brigada qualquer.

O momento exige patriotismo. É necessário defender os empreendedores que se dedicam aos garimpos ilegais, à pecuária predatória, à grilagem das terras indígenas, ao desmatamento que está arrasando a Amazônia e o Pantanal. Afinal, aquilo tudo é “nosso” e precisa ser explorado por ardorosos arautos do desenvolvimento, por intrépidos patriotas.

O problema é que inimigos da Pátria estão debochando do “mito”, ridicularizando-o nas mídias sociais. Com aquele seu olhar vazio, ele enxerga longe. Pelo menos é o que garantem os devotos que farejam fraude nas eleições norte-americanas. E que vão mais além: apontam infiltração comunista na imprensa, no mundo das finanças, nas escolas, até mesmo em respeitáveis instituições religiosas. Pululam, por aí, banqueiros comunistas.

Sim, é necessário mobilizar-se, perder peso, dedicar-se a intensos programas de exercícios. A recompensa, com certeza, virá na frente. Depois de vencida a guerra, os brazucas poderão se dedicar às compras nos badalados shoppings de Miami...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express