Pular para o conteúdo principal

Ato une camelôs e professores no centro da Feira

Originalmente publicado em Set/2020

O centro da Feira de Santana foi palco hoje (22) de um protesto ímpar que uniu duas categorias com demandas bem diferentes: os professores da rede municipal, com seus salários cortados, e os camelôs e os ambulantes que estão para ser relocados para o shopping popular construído ali do lado do maltratado Centro de Abastecimento. Há, porém, um elemento que une as pelejas das duas categorias: a dificuldade da prefeitura em dialogar e costurar acordos, sobretudo agora, no excepcional contexto da pandemia do novo coronavírus.

Os camelôs estão sendo relocados no meio da pandemia da Covid-19. As perspectivas para a economia brasileira só são promissoras nos discursos do Ministério da Economia. País afora, o que se vê é desemprego, corte salarial, falências e incertezas sobre o futuro. É natural, portanto, o temor com o que vem aí pela frente. Sobretudo porque ninguém sabe quando a pandemia acaba.

Os valores cobrados no shopping popular assustam os trabalhadores que estão sendo relocados. Nem mesmo a festejada isenção das taxas – acena-se com oito meses de carência – garante nada, pois todo mundo intui que, até lá, a economia brasileira não decola e a Covid-19 permanecerá aí, na praça. Com desemprego e pandemia, difícil a prometida festa do consumo, do progresso, no festejado empreendimento. E se vier a inadimplência, o que farão os trabalhadores desalojados? Ninguém fala.

Questões espinhosas como estas passaram a exigir negociação, o que não houve desde o começo da pandemia. A solução é uma nova concertação, estabelecendo consensos, novos prazos e novas condições. Caso a prefeitura não ignorasse as sucessivas manifestações – foram muitas desde o começo do ano – o impasse não estaria aí, projetando sombras às vésperas das eleições.

Professores

Os professores, por sua vez, defrontam-se com a mesma dificuldade do Executivo feirense de estabelecer negociação. Dias atrás até houve o anúncio de um recuo da Prefeitura, mas, à frente, aconteceu um inexplicável recuo do recuo. E o impasse se traduziu, hoje, em mais uma manifestação que – como é óbvio – tornou ainda mais caótico o habitualmente confuso trânsito no centro da cidade.

Para desqualificar os manifestantes, com muita frequência alega-se que as manifestações são “políticas” e que os participantes têm “interesses políticos”. É como se quem ocupasse os principais cargos políticos do município também não tivesse interesses políticos e atuasse movido só por desprendimento, por amor à Feira de Santana. Além de antiquíssimo, o argumento é inócuo.

A Prefeitura da Feira de Santana precisa passar por mudanças. Recrutar gente jovem, mais qualificada e adotar métodos mais modernos de gestão. Salvador, aqui do lado, por exemplo, podia servir de inspiração. As manifestações estão desembestando para uma crise no meio do período eleitoral. Nada pior para um prefeito que tenta a reeleição, como Colbert Martins Filho.

Anunciada com pompa, a parceria público-privada do shopping popular pelo jeito não conta nem com um modelo de governança, pois não se fala nele. E sem um gabinete de crise – composto por negociadores experientes – os secretários municipais saem para matar qualquer bola no peito, mesmo sem nenhuma intimidade com as metafóricas pelotas políticas, que são cheias de arestas...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express