Num ano remoto, bem no começo da adolescência, passei parte do verão em Salvador. No sítio amplo conheci familiares, fiz muitas amizades e, até hoje, guardo ternas e inesquecíveis recordações daqueles dias. Foi lá que se fixaram, para mim, os cheiros do verão. Cheiros tropicais, intensos, sensuais até: das mangas maduras, convidativas, nas inúmeras mangueiras; das jacas moles, cor de ouro, partidas e consumidas com voracidade; e dos cajus vermelhos e amarelos, de sabor suave, que pendem graciosamente dos cajueiros.
Desde
então, à medida que o verão se aproxima, as lembranças desses cheiros se ativam
nas circunstâncias mais inesperadas. Nesta semana de trovoadas que apenas se
insinuam aqui na Feira de Santana – mas que caem rijas, caudalosas, Bahia afora
– a nebulosidade, a brisa úmida e a expectativa muda que dança na atmosfera despertaram,
mais uma vez, essas recordações.
Peguei-me
matutando: será que os cajueiros já floriram no rural feirense? Soube que sim. Nos
janeiros fartos a fruta abunda nos baldes e cestos nas frenéticas artérias do
centro da cidade e no Centro de Abastecimento, sempre agitado. Nas cozinhas, o
caju torna-se matéria-prima para sucos e doces e, pelos botequins feirenses, os
devotos da caninha endereçam olhares ternos para a fruta que contracena tão bem
com a aguardente.
São
mais escassas as soberbas jaqueiras aqui na Feira de Santana. Mas a fruta é
comum nas feiras-livres, nos mercadinhos de bairro. A jaca dura é vendida em
fatias. Afinal, as famílias encolheram e poucos dão conta de tanta fartura. Muitos
enjoam, jaca exige paladar afinado. Lembro que, naquele verão longínquo,
comíamos jaca logo cedo, sob a sombra generosa de uma jaqueira qualquer que,
generosamente, cedia seus frutos...
E
as mangueiras? As mangueiras que teimam em muitos quintais feirenses oferecem
sombra farta, frutos saborosos e abrigo para os pássaros. Às vezes ouve-se até
um sabiá magistral numa destas árvores. E o feirense, enlevado, reconecta-se
àquela paz que só a natureza proporciona. Noto que muitas mangueiras estão
florindo e, nalgumas delas, os frutos, bem miúdos, já desabrocham.
Mas
nada me reconecta tanto com o passado como aqueles momentos que sucedem uma
trovoada. Sobretudo essas de começo de tarde. Permanece, no ar, um cheiro
intenso de terra molhada; a temperatura amena – que dura só alguns instantes e
é a cariciosa – dá uma tênue sensação de leveza; e o canto dos pássaros –
inspirados nos meses ensolarados – completa o cenário. Mas tudo é muito breve,
como os mais magníficos espetáculos da natureza.
Apesar
das chuvas intensas que caíram sobre toda a Bahia, a Feira de Santana só registrou
chuva miúda. Nada daquelas trovoadas temíveis, tão aguardadas pelos sertanejos
e que, por instantes, permitem esse alumbramento efêmero que é a conexão consigo
mesmo e com as mais doces recordações do passado...
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