É
bizarro o quiproquó envolvendo a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Ocupado
por um general lerdo, o Ministério da Saúde retarda decisões, se omite,
polemiza, arrota valentia, mas não encaminha soluções. Enquanto vários países
já se preparam para começar a vacinação, lá no Planalto Central apenas se
rascunham planos vagos. O pior é que nada disso surpreende os mais atentos. A
vacinação é uma opção pela vida. E o Brasil, em 2018, selou nas urnas um pacto
com a morte.
Portanto,
os dois últimos anos, por aqui, foram de exaltação à morte, em suas múltiplas
dimensões. As ostensivas medidas de rearmamento da população são a face mais
visível. Mas há outras, muito claras. É o caso do “excludente de ilicitude”, aquela
carta branca para as polícias apertarem o gatilho sem empecilhos. A tentativa
de taxar livros e isentar de impostos a importação de armas bem que resumiria,
sinteticamente, essa época tormentosa.
A
destruição da Amazônia e do Pantanal também são manifestações desta mesma pulsão
pela morte. As imagens de animais chamuscados, queimados, – até mesmo
calcinados pelo fogo incontrolável – horrorizaram aqueles sintonizados com a
vida. Os cultores da morte, por outro lado, sustentaram um silêncio deliciado.
Mas não faltaram os mais celerados que veem na catástrofe uma vereda aberta
para o progresso. Qual o preço desse progresso? A sustentabilidade do planeta
no médio prazo.
A
morte pulsa também na opção do desgoverno pelos milionários, pelos
endinheirados. Para os amigos prósperos, menos impostos, manutenção dos
subsídios, menos encargos trabalhistas. E para os pobres e trabalhadores? Mais
carestia, menos direitos, menos serviços públicos essenciais, mais violência e
mais exclusão. Difícil acreditar que uma sociedade pode prosperar quando se
aposta em mais desigualdade, no aprofundamento das iniquidades sociais.
O
que é que orientou essa opção coletiva pela morte, por Tanatos? A alienação religiosa é uma explicação – uma vida insípida
associada a alucinações milenaristas –, mas não se esgota aí. A crise
econômica, por exemplo, atropelou muitos que, ressentidos, viram na aventura de
Jair Bolsonaro, o “mito”, não uma solução, mas uma oportunidade para
escangalhar tudo de uma vez. Sua intuição não os enganou. Na fauna que
legitimou esse pesadelo há também ingênuos, ignorantes, distraídos, incautos.
Enfim, é variada.
O
que une muitos deles é a ojeriza a argumentos racionais. Nada os dissuade em
sua marcha insana. Para eles, o “mito” é uma espécie de messias tupiniquim, a
terra é plana e a Covid-19 é uma conspiração chinesa para dominar o mundo. Isso
não surpreende. A racionalidade é um atributo da vida, não da morte. Quem
almeja a morte – ainda que de maneira inconsciente – jamais vai render-se aos
argumentos, próprios do mundo sensível das ideias.
Não
adianta, portanto, discutir, argumentar. A cisão na sociedade brasileira vai
muito além das flâmulas ideológicas, das desavenças políticas. Há um
antagonismo entre a vida – que é o impulso primordial da maioria – e a devoção
à morte. Mas não a morte individual, aquela da opção suicida; e sim aquela
milenarista, religiosa, que só se contenta com o extermínio coletivo.
Muitos,
coitados, não tiveram a oportunidade de desenvolver seu potencial humano. E aí
enxergam a vida como um fardo, um peso insuportável. Outros não conseguem
enxergar-se além do circuito da produção e do consumo. Prosaicamente, do ganhar
dinheiro e do gastar dinheiro. É algo vazio que, muitas vezes, conduz ao
desespero e à expectativa de soluções “milagrosas”. Daí, talvez, o mergulho no Tanatos, na opção pela morte.
É
óbvio que nem todo mundo que votou no “mito” opera nessa sintonia do Tanatos. Mas aqueles que o exaltam como
redentor e o cultuam a cada opção pela morte compõem essa fauna, obviamente.
Sua trincheira, agora, é o embate contra a vacinação que vai salvar a
humanidade da Covid-19.
Sabendo-se
flutuando no abismo, os mais sensatos se indagam quando esse pesadelo vai ter
fim. E aguardam, ansiosos, a oportunidade de se verem, mais uma vez, imersos na
vida...
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