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A trilha sonora do verão feirense

 Quem presta atenção já ouve o canto majestático dos sabiás nas copas das árvores feirenses. Ainda bem. É desta ave a trilha sonora dos verões tropicais. Que seria dos dezembros sem o seu canto que aproxima o homem comum – mortificado pelas aporrinhações da vida cotidiana – do Divino? O canto do sabiá é o prenúncio sonoro do paraíso. Não esse que muitos espertalhões vendem nos púlpitos, mas o que é estado de espírito, imersão profunda no Todo.

Dezembro é mês daqueles inevitáveis balanços – não apenas os empresariais – que todo mundo faz do ano que passou. Projeta-se, também, o futuro, cultivam-se esperanças de dias melhores. Em 2020 o exercício vai ser ainda mais oportuno, porque a pandemia da Covid-19 desarranjou as rotinas e instituiu um inquietante “novo normal”. O momento, portanto, é adequado para refletir.

Dezembro também é mês do Natal e das celebrações de Ano Novo. Tudo indica que este vai ser o mais estranho dos natais. A crise econômica na praça nem é algo novo, pois arrasta-se há seis temporadas e o brasileiro médio já está calejado com os festejos mais magros. O que distinguirá a data em 2020 será a continuidade da pandemia. E, segundo projeções de cientistas, a segunda onda poderá estar em pleno vigor na semana dos festejos.

Nas ruas e nas cabeças feirenses há ainda escasso engajamento na celebração. Aqui ou ali, nalgumas vitrines, destaca-se Papai Noel, trenós e renas, a neve de algodão que destoa do tórrido verão baiano. Mas tudo muito discreto, sem o apelo dos anos de fartura do começo da década. Aquela orgia de luzes que, à noite, magnetizava o consumidor, também não se vê.

Além das restrições impostas pela pandemia, há os percalços econômicos. Aposentados e pensionistas tiveram o 13º antecipado, muitos trabalhadores tiveram o benefício reduzido, outros perderam o emprego e quem se equilibra como autônomo também perdeu renda com esses solavancos. Logo, aquele frenesi em direção às lojas, típico do dezembro que se inicia, deve perder ímpeto.

O noticiário econômico, porém, é bem otimista. Arrotam-se números, vomitam-se projeções, aposta-se num futuro radioso. O cenário, porém, ainda não eletrizou o feirense pelas ruas, não o impulsionou às prateleiras, às caixas registradoras. Às vezes, parece que tenta se criar um clima de “Brasil Potência”, de “Pra frente, Brasil”, como se via na ditadura militar. Mas deve ser só impressão.

Alheios à azáfama, às atribulações humanas, os sabiás cantam nas mangueiras e nas palmeiras, persistindo na escassa cobertura vegetal da Feira de Santana. Vale a pena ouvi-los, esquecer por uns instantes os desgostos – grandes e pequenos – desse aziago ano de 2020 e sonhar com um outro futuro possível...

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