Pular para o conteúdo principal

Universidades federais entrarão no circuito das “boquinhas”

Faz tempo: na segunda metade da década de 1990, ao longo dos dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, começou a exaltação das organizações sociais – as famosas OS – como alternativa para a oferta de serviços públicos de saúde e educação. Naquela ocasião, serviços secundários no setor público, como limpeza e segurança, foram inteiramente repassados à iniciativa privada. Anunciava-se, como sempre, que medidas do gênero ladrilhavam o caminho em direção ao sonhado paraíso liberal.
A onda se irradiou, de maneira avassaladora, em direção aos governos estaduais e às prefeituras. Tudo sob as bênçãos de organismos multilaterais como o Banco Mundial. Os resultados são facilmente perceptíveis hoje em dia: na média, os serviços públicos seguem tão ruins quanto àquela época, mas a guinada serviu para reforçar o poder dos coroneis de fundo de província, entrincheirados em estados e municípios.
Revogados os concursos e o regime de servidores efetivos, os poderosos locais lançaram-se, ávidos, à arregimentação de cabos eleitorais e empedernidos simpatizantes para alocá-los nas empresas terceirizadas e nas badaladas organizações sociais em ascensão. Mérito foi conversa fiada para enganar distraído: o único critério empregado sempre foi a indicação do padrinho.
O modus operandi se disseminou como rastilho de pólvora, alcançando todas as dimensões da gestão pública: não apenas funções como limpeza e segurança, mas também serviços de saúde – inclusive as atividades finalísticas – e, até mesmo, funções administrativas. Sem contar, claro, com a profusão de cargos de confiança com suas siglas enigmáticas, suas funções pomposas e, sobretudo, seus rechonchudos holerites.
Até aqui, espantosamente, as universidades vinham escapando incólumes, pelo menos em relação às atividades de docência. Não vão mais: com o Future-se – o festejado programa do excêntrico ministro da Educação, Abraham Weintraub – as organizações sociais terão acesso franqueado às universidades. Mais: poderão contratar professores pela finada Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.
A palavra-chave do polêmico ministro para definir o programa é “liberdade”. Dado o contexto da gestão, deduz-se que tudo não passa de conversa fiada. Pior ainda: as universidades – que, em tese, são espaços pautados pela liberdade de pensamento – podem mergulhar na órbita de instituições estranhas à sua natureza, como organizações vinculadas ao obscurantismo religioso. É o que vê, por exemplo, nas comunidades terapêuticas que pululam.
É evidente que, no fundo, o governo de plantão pretende reduzir os repasses de recursos para as universidades e interferir no seu funcionamento. E, jocosamente, recorrem à ampliação da “liberdade” como nobre justificativa. Mais: tudo indica que essas instituições tendem a se tornar monumentais cabides de emprego – as “boquinhas” – para os adeptos do novo regime. Exatamente como ocorre com as prefeituras Brasil afora.
Bastaram uns poucos dias para se perceber que, no novo regime, não existe gente credenciada para discutir a educação, menos ainda a educação superior. É aí que o perigo é maior: caso consigam tocar seu projeto nefasto, poderão produzir danos irreversíveis no longo prazo.
Vai ser necessário resistir.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...