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A dura vida do motorista de aplicativo

Existem muitos ângulos para dimensionar a profunda crise econômica que permanece, inamovível, estacionada no Brasil. Uma delas, óbvia, é sob a ótica dos trabalhadores. Existem, porém, mesmo dentro desse universo, perspectivas mais didáticas. Uma delas é a dos motoristas de aplicativo. O cardápio de aplicativos já é expressivo, embora a novidade tenha surgido, no País, há poucos anos. Muitos motoristas – para assegurar um dinheiro adicional – trabalham, inclusive, para mais de uma dessas empresas.
- Estou perto de cumprir minha meta: 100 viagens entre ontem e hoje – Foi o que ouvi de um motorista numa tarde de domingo. Começou a rodar logo às 6 da manhã e, pelos seus cálculos, faltavam apenas cinco viagens para alcançar a meta. Só parou para almoçar e, na manhã seguinte, o emprego formal o aguardava.
Nem todo mundo pode tocar o trabalho para o aplicativo como um “bico”, um biscate para garantir um dinheiro extra. “Está difícil. Mandei muito currículo, mas, até agora, nada...”, comentou outro, jovem, abalroado pela crise econômica quando já tinha mais de uma década vivendo na Região Metropolitana de São Paulo. Lá, as perspectivas não eram muito animadoras:
- Aqui em ainda vivo de boa. Consigo pagar as contas. Mas lá... – Acrescentou, recordando o elevado custo de vida na capital paulista e o paradeiro na economia da maior metrópole do Brasil. Apesar dos percalços, mantém a esperança de conseguir um emprego formal lá adiante. Muitos não compartilham do mesmo otimismo.
Não é incomum encontrar motorista que já dirigiu caminhão, táxi, ônibus e que migrou em algum momento para o Sudeste para tentar a vida em São Paulo ou – caso mais raro – no Rio de Janeiro. A razão do retorno – nem sempre admitido – é a crise econômica que tornou tudo mais difícil nas fervilhantes metrópoles de apenas alguns anos atrás.
Os taxistas, por outro lado, reclamam da concorrência. Um deles, durante uma corrida, recordava que, na Feira de Santana, uma licença de táxi era vendida por mais de R$ 100 mil. “Hoje tem gente vendendo por trinta mil e ninguém quer”, reclamava. Depois acrescentou: “Recebendo tão pouco, não sei como esses caras sobrevivem”.
Todos reclamam das condições de vida, da classe política, do desalento em relação ao futuro. “Nesse Brasil tem muita coisa errada, que ninguém conserta”, recitou um deles. Estava indignado: reclamou até do recesso junino em escolas e universidades. “Onde já se viu? Duas férias por ano...”, resmungou.
As jornadas de trabalho são extensas, a remuneração não é das mais satisfatórias e os riscos são constantes. Alguns reconhecem que, por falta de opção, dedicam-se ao volante. Há quem estude e, lá adiante, equipado intelectualmente, pretenda migrar para ocupação melhor. São, invariavelmente, os mais jovens. Fazem faculdade e garantem , dirigindo, uma renda adicional.
Um ou outro, coitado, conserva as esperanças no governo de Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Mas, se o passageiro não alimentar conversa, desvia do tema. No Brasil atual, é arriscado ficar se aventurando em diálogo sobre política. Duro reflexo desses tempos de intolerância.

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