Pular para o conteúdo principal

“Só mais um esforço”

O título acima não é original. Tomei emprestado de um excelente livro do filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Vladimir Safatle. Ele, por sua vez, recorreu ao Marquês de Sade, que proferiu a frase para os franceses desanimados com os rumos da Revolução Francesa, lá no século XVIII. Essa frase traduz com rara precisão os tempos que se vivem no Brasil: “só mais um esforço”.
Na trajetória recente, os esforços têm sido intensos. Primeiro foi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto de Gastos: aumentando os gastos de custeio apenas até o limite da inflação, vai se produzir uma redução da participação do Estado na economia que, lá adiante, vai nos conduzir ao paraíso liberal. Sucateamento de serviços públicos? Detalhe secundário.
Depois veio o desmanche da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Revogando-a – falou-se o tempo todo em “modernização” –, seriam criados seis milhões de empregos num intervalo de uns poucos anos. Não é o que se vê: mesmo com a institucionalização da precariedade, o mercado de trabalho permanece estagnado. O que se vendeu foi que a medida, liberalizante, nos conduziria ao paraíso do livre mercado.
Há alguns dias aprovaram, em primeiro turno na Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência. Antes diziam que, com ela, investimentos afluiriam, caudalosos, em direção ao País. A empulhação começou a ser descartada menos de 24 horas depois da votação: uma enxurrada de manchetes indicava que a iniciativa não é suficiente, que é necessário “aprofundar as reformas”.
Alguns, mais ambiciosos, prevêem que só uma agenda “permanente” de reformas vai remover o Brasil do atoleiro. Uma delas, a tributária, já está em elaboração; promete-se, também, uma reforma administrativa para o Estado. Tudo sem perder de vista, claro, a liberalização da economia e a abertura comercial. Dizem que é o que vai garantir nosso quinhão no paraíso liberal.
A partir de agora, portanto, não basta “só mais um esforço” para se chegar a essa condição idealizada, a esse paraíso tão mitificado na literatura microeconômica. É necessário esforço permanente. Enquanto se esforça, o cidadão se entretém colecionando promessas. São muitas e se sucedem com vertiginosa velocidade no noticiário. Isso desde a ascensão de Michel Temer (MDB-SP), há três anos.
Há menos dinheiro financiando serviços públicos essenciais, sobretudo para a população pobre; quem sempre ocupou funções modestas no mercado de trabalho figura entre os alvos preferenciais da flexibilização das leis trabalhistas; e quem se aposentar – nem tantos vão conseguir com as mudanças recentes – vai amargar rendimentos ínfimos. Isso caso não seja militar ou policial, é evidente.
Mesmo assim, é necessário ir renovando o repertório de esforços. Um deles já se desenha com nitidez: a reforma tributária. Com ela, pelo jeito, o brasileiro será mais solidário. É que os empresários – os graúdos que influenciam as decisões econômicas, frise-se – vão pagar menos impostos, anuncia o governo. Quem será convocado para “só mais um esforço”? O brasileiro médio, claro, que não vai escapar de uma mordida mais voraz, compensando as perdas na arrecadação.
Por enquanto, a maioria aceita tudo com mansidão, com a placidez das ovelhas bíblicas. É que o papo do “só mais um esforço” ainda não produziu efeitos plenos. Mas é aguardar, porque vem apocalipse para o povão aí...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da