A aprovação
da lesiva reforma da Previdência ontem (10) na Câmara dos Deputados mostrou o modus operandi da aclamada “nova
política”: o mesmo dos regimes anteriores. Durante todo o processo houve muita
barganha, muito conchavo de bastidor, muita liberação de emenda em troca de
voto. Em síntese, o habitual toma lá dá cá que os timoneiros do novo regime
tanto diziam que repeliam. O “mito” – Jair Bolsonaro –, espertamente, terceirizou
a tarefa e manteve distância física do balcão. Certamente para conservar a aura
de “mito” junto aos acólitos mais entusiasmados.
Só quem
perdeu foram os trabalhadores, particularmente aqueles que ganham menos. O
“combate aos privilégios” se mostrou um engodo: as corporações policiais, por
exemplo, até ampliaram suas regalias: vão se aposentar com pouco mais de 50
anos e receber salário integral, benefício que até tinha sido revogado no
mandato de Dilma Rousseff (PT), para quem ingressou depois de 2013.
Os militares
das Forças Armadas também ampliarão seus privilégios, mas numa “reforma”
posterior. Com certeza manterão salários integrais e o direito de se aposentar
com menos de 50 anos. O próprio presidente da República é o retrato desse
desconchavo: aposentou-se com 33 anos, migrando dali para a mamata parlamentar
de quase três décadas. Mas são carreiras que preservam “especificidades”, novo
sinônimo para mordomia.
Com
determinadas castas mantendo seus privilégios, quem vai arcar com o custo? Quem
labuta no dia-a-dia, ganha pouco e só vai desfrutar de alforria aos 65 anos, no
caso dos homens e 62 anos, se mulher. O peso recai, principalmente, para quem
milita na iniciativa privada e, obviamente, ganha menos. Nada que espante: é o
retrato do Brasil desde que aqui aportou Cabral.
Tarefas
pesadas e arriscadas na iniciativa privada não tem “especificidades”, como
alegaram os áulicos do novo regime em defesa dos amigos. Operadores de
máquinas, mecânicos, eletricistas, agricultores familiares e ambulantes, por
exemplo, não desfrutam de “especificidades” e vão, portanto, labutar até os 65
anos.
Caso se aposentem,
enfrentarão uma redução nos benefícios que as castas privilegiadas não vão encarar.
Afinal, figurarão no cálculo da aposentadoria todo o histórico de contribuições
e não apenas as 80% maiores, como é hoje. Engambelados, muitos acreditaram na
lorota de que os mais pobres não seriam afetados pelas mudanças.
De qualquer
forma, os efeitos danosos só serão percebidos lá adiante. Na década que se
aproxima, aliás, virão à tona os horrorosos desdobramentos de tudo que foi orquestrado
nos últimos anos: teto de gastos, revogação da legislação trabalhista e, agora,
reforma da Previdência.
Os donos do
poder apostam no Estado policialesco que está se recompondo, sorrateiramente,
como contraveneno para eventuais surtos de insatisfação da população no futuro.
Pode não dar certo: o arrocho vai ser imenso e o discurso de que o paraíso
liberal nos aguarda no horizonte próximo vai se desgastar.
Mas isso ainda está distante. O que há, por
enquanto, é o êxtase vil, impudente, dos que ganham com a reforma.
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