Mais
uma vez o governo de plantão recorre a uma série de meias-verdades para
defender sua draconiana proposta de reforma da Previdência. A empulhação mais
reluzente é a de que a reforma será “justa” e que “todos” receberão apenas o
teto vigente no regime geral da Previdência. Porta-voz da austeridade, a classe
política vai ficar de fora: quem está no exercício do mandato livrará o próprio
contracheque de qualquer constrangimento, já que não ficará emparedado pelo
teto dos mortais comuns.
A
regra só vai valer para os futuros eleitos, que nunca exerceram mandato. Os
militares das Forças Armadas também se manterão como casta privilegiada: não
precisarão se aposentar aos 65 anos – muitos, hoje, se aposentam com menos de
50 anos – e embolsarão o valor integral da aposentadoria. O “mimo
corporativista” foi concedido pelo ex-capitão no exercício da presidência da
República.
A
enganação mais cruel, porém, está reservada para os mais pobres, como sempre.
Ninguém comenta, mas o tempo mínimo de trabalho vai passar de 15 para 20 anos
para todo mundo. O benefício será calculado com base na média de 100% das
contribuições e não mais sobre os 80% maiores vencimentos, como é hoje.
O
pior é que, da média total, o trabalhador leva 60%, caso só tenha 20 anos de
contribuição. Para embolsar 100% serão necessários espantosos 40 anos de recolhimento
comprovado. Mas a empulhação é que, quem ganha menos, vai contribuir com menos:
o percentual recolhido vai passar de 8%, como é hoje, para 7,5%. O achatamento
no valor do benefício mais que explica a “generosidade”.
Salário-mínimo
Boa
parte dos trabalhadores vai embolsar apenas um salário-mínimo no final da vida.
Nos padrões atuais – que refletem uma elevação consistente que se estendeu por
mais de uma década – não fica tão ruim. Mas, lá adiante, virá mais uma manobra:
ou haverá um arrocho furioso para comprimir o valor real ou o valor dos
benefícios será desvinculado do salário-mínimo. Tirar a Previdência da
Constituição é uma manobra marota para viabilizar esse objetivo.
Muita
gente vai ser empurrada para o benefício social do idoso, porque não vai
conseguir contribuir regularmente ao longo da vida. Quem moureja na
informalidade e aqueles imersos na roda-viva dos empregos precários e sazonais
serão os mais afetados. Isso sem contar a “modernização” trabalhista que, hoje,
permite remuneração muito inferior àquele mínimo necessário para o recolhimento
à Previdência.
Some-se
a isso um nebuloso modelo de capitalização que, pelo visto, está sendo
orquestrado para atender, sob medida, as grandes corporações financeiras que
vão gerenciar os recursos dos segurados. O que pretendem não deu certo em lugar
nenhum, mas mesmo assim uma “fé inabalável” sustenta a proposta no Brasil.
Chile
Logo
no início do governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, saiu-se com uma
pérola: disse que o Chile é a Suíça da América do Sul e atribuiu essa condição
à reforma previdenciária tocada pela ditadura de Augusto Pinochet no início da
década de 1980. Habituado às altas finanças, o oráculo da economia brasileira
certamente só circula nos restritos e elegantes espaços da Santiago do capital
financeiro.
Quem
já teve a oportunidade de visitar o Chile, de circular pelas ruas das cidades e
observar a rotina da população, espanta-se com a quantidade de idosos
dedicando-se a funções modestas como despachante de documentos, gari ou na
reposição de estoque de supermercado. É que as ínfimas aposentadorias – e olha
que, lá, a vida é muito melhor que no Brasil – força inúmeros idosos a disputar
empregos com trabalhadores mais jovens por uma questão de sobrevivência.
Futuro
do gênero espera os idosos brasileiros daqui a pouco tempo. E olhe que, no
Chile, não há pobreza e desigualdade alarmantes como no Brasil. O que isso aqui
vai virar nas próximas décadas? É uma pergunta que todos deveriam se fazer,
antes da votação da reforma da Previdência.
Não se trata, óbvio, de ignorar
a delicada questão previdenciária. Mas é necessário pensar num modelo que não
aprofunde as iniquidades sociais do Brasil, conforme se percebe no modelo
proposto...
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