Pular para o conteúdo principal

O recesso carnavalesco e a ânsia mercantil da Feira

O comércio feirense vai ficar três dias sem funcionar durante o Carnaval. A suspensão começa no domingo (03) e se estende até a terça-feira (05). Noutros tempos, arriscava-se a abertura das lojas às segundas-feiras, mas a prática vem caindo em desuso. É que muita gente viaja no período para aproveitar o fim da temporada de veraneio. E quem potencialmente viria de fora costuma se deparar com as dificuldades de deslocamento num período em que todo mundo se volta para os festejos momescos. O resultado costumava ser lojas vazias e comerciários entediados.
Mas quem vive na Feira de Santana – e costuma extrair seu sustento do comércio – preserva uma ânsia mercantil que é difícil de conter nesse período. Basta circular pelas ruas comerciais da cidade nos dias de feriado para perceber que sempre há gente por lá: um muda uma porta metálica, outro faz um reparo qualquer, alguns fazem faxina e, às vezes, aparece quem dê uma repaginada no seu comércio.
Parecem atletas no aquecimento, preparando-se para uma disputa. Ou artistas vivendo aquela tensão momentos antes de vir à ribalta. Mas talvez a imagem mais adequada seja a de um ritual religioso, uma espécie de devoção mercantil que se manifesta no cuidado sutil com cada detalhe. Há, também, uma ânsia, uma expectativa tensa pelo retorno à normalidade.
Ela só vem quando chega a Quarta-feira de Cinzas. Para além dos ritos católicos que marcam a data, nota-se uma espécie de alívio de quem descerra a porta metálica de uma loja, de quem pendura peças de roupa numa vitrine, de quem arruma, com método, seus produtos para expor pelos camelódromos da cidade. Retoma-se a compra e a venda, a contabilidade do lucro, a satisfação de uma necessidade material.

Crise

A longa crise econômica que abalroou a economia brasileira torna essas sensações mais agudas. Afinal, o intervalo para apurar aquele lucro se tornou mais elástico com a recessão. É necessário trabalhar mais, se empenhar dobrado para assegurar alguma margem. Isso vem acontecendo aqui e em todo o Brasil. Um longo feriado, portanto, parece um imenso desperdício.
Daí o olhar desolado de quem mercadeja e se depara com o centro da cidade deserto nos dias de feriado. Sobretudo para quem vive do comércio informal e da prestação de serviços. Esses, coitados, às vezes não tem condições de, sequer, fazer uma viagem curta até a vizinha Cabuçu para aproveitar o sol desses dias. Resta ficar em casa, acompanhando a programação carnavalesca.
A trégua do Carnaval expira na quarta-feira. Com ela, começa o ano de 2019, conforme afirma a sabedoria popular. Pelo jeito, esse vai ser mais um ano de intensas dificuldades econômicas. A geração de riquezas segue patinando: ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou modesto 1,1%, apesar da reforma trabalhista – que prometia milhões de empregos – e das promessas ocas de Michel Temer (MDB) e sua trupe.
Para 2019, a expectativa de que o PIB cresça mais de 2% talvez seja exagerada. Sobretudo em função dos atores políticos que estão colocados aí no poder. Mas, no momento, é Carnaval. É melhor aproveitar esses dias e conter um pouco a ânsia mercantil típica do feirense.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...