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O aeroporto e a reconfiguração logística da Bahia


           

            Há alguns dias a prolongada novela da reativação do aeroporto de Feira de Santana ganhou mais um capítulo. E, pela sinalização, um capítulo que pode entrar no rol dos decisivos, já que até mesmo o nome de uma companhia aérea interessada em operar no aeroporto feirense foi divulgado sem grandes tergiversações. O próprio governador em exercício e secretário da Infraestrutura, Otto Alencar, compareceu à audiência que praticamente definiu a reativação do equipamento.
            Desde os anos 1980, quando foi inaugurado, que o aeroporto carrega a triste sina de servir apenas para o pouso eventual de aeronaves de pequeno porte. Entre os usuários figuram políticos em trânsito – governadores que visitavam a Feira de Santana, principalmente – e um ou outro empresário. Assim, durante mais de um quarto de século, o equipamento ostentou a condição de “elefante branco”, embora permanecesse pouco visível na periferia da cidade.
            Em parte, o contexto econômico brasileiro ajuda a compreender a subutilização do aeroporto: refém de um crescimento muito modesto durante mais de duas décadas, o equipamento despertou pouco interesse principalmente porque se localiza num município afastado dos centros econômicos mais dinâmicos.
            Nos últimos anos, no entanto, essa situação se reverteu: o Brasil ingressou num novo ciclo de crescimento, em que pesem as sombras lançadas pelo cenário externo, e políticas compensatórias e de elevação do salário-mínimo tornaram o Nordeste atrativo, justificando investimentos privados. É sob esse cenário que se dá a discussão sobre a reativação do aeroporto.

            Nicho de mercado

            Como desdobramento desse quadro de pujança relativa, o transporte aéreo de passageiros ganhou um impulso formidável no Brasil. Nada mais lógico, portanto, que a Feira de Santana, com um aeroporto já existente, mas inoperante, com população superior a 550 mil habitantes e com localização estratégica para o escoamento de bens e deslocamento de pessoas, desperte o interesse como nicho de mercado.
            Note-se, porém, que o interesse maior é pela utilização do aeroporto no transporte de cargas. O raciocínio faz sentido, sobretudo em função da mencionada condição privilegiada de entreposto comercial e, principalmente, porque diversas empresas já operam centros logísticos no município.
            A reativação do aeroporto vai representar uma vantagem a mais para a Feira de Santana como alternativa logística privilegiada. Caso seja viabilizado o ramal ferroviário previsto no Plano Plurianual da União, o município passará a contar com praticamente todos os modais de transportes, fortalecendo seu papel no cenário econômico regional.

            Investimentos

            Nas próximas décadas a Bahia tende a passar por uma reconfiguração logística similar à que aconteceu no início do século passado, quando as ferrovias – poucas e que beneficiavam apenas as regiões mais dinâmicas do estado – foram suplantadas pelas rodovias, mais capilares, mais baratas e que atendiam às necessidades de uma população que se dispersava pelo território estadual. Foi esse contexto que beneficiou a Feira de Santana, tornando-a a segunda mais importante cidade baiana.
            Uma nova reconfiguração pode reduzir a importância relativa da Feira de Santana no cenário econômico baiano, caso não sejam feitos investimentos que mantenham sua atratividade. Sobretudo porque as principais obras de infraestrutura iniciadas ou em planejamento – o Porto Sul, a Ferrovia Oeste Leste e a ponte entre Salvador e Itaparica – não se localizam no entorno da Feira de Santana.
            Assim, a reativação do aeroporto significa um passo relevante para manter o dinamismo econômico do município. É necessário, no entanto, avançar mais planejando adequadamente o futuro da Feira de Santana.

           
                                      
               

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