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O silêncio dos (in)decentes


           
            O Poder Legislativo é essencial em qualquer sociedade minimamente democrática. Esse é um consenso fácil alcançado pela classe política, pelos estudiosos do tema nos meios acadêmicos e pela imprensa. Isso para não falar na percepção da sociedade em geral, apesar da morosidade parlamentar, da eventual sujeição aos caprichos do Executivo e à natureza bizantina de muitos debates travados nas tribunas.
            No Brasil, por exemplo, os refluxos ditatoriais necessariamente envolveram o sufocamento do Legislativo. Foi assim em 1937, quando Getúlio Vargas aplicou o golpe que o manteve no poder nos oito anos seguintes; foi assim também com a Ditadura Militar que se estendeu por 21 anos e na qual, mais uma vez, as restrições às atividades legislativas foram muito evidentes. Não há dúvidas, portanto, que o Legislativo constitui uma instituição indispensável para qualquer democracia.
            Porém, igualmente consensual é a convicção que os representantes do povo no Legislativo desfrutam de privilégios inacessíveis ao cidadão comum. O maior deles, naturalmente, é de natureza financeira: generosamente remunerados, esses políticos abocanham salários muito superiores à média dos trabalhadores.
            As críticas às mordomias – muitas vezes nababescas -, porém, costumam ecoar no vazio. É o caso recente dos reajustes auto-concedidos para os 21 vereadores feirenses e para o prefeito. Com vigência a partir de 2013, os contra-cheques vitaminados provocaram pouca indignação e críticas localizadas na Feira de Santana, apesar da repercussão que alcançou na Internet.

            Repercussão

            Fora das fronteiras feirenses o reajuste provocou comentários: o site do Jornal do Brasil, por exemplo, anota que o prefeito feirense receberá o mesmo salário da presidente da República: R$ 26.723,13. A grana é superior aos salários dos prefeitos eleitos de todas as capitais brasileiras, à exceção de Curitiba.
            A mordida dos vereadores nos cofres da Viúva foi mais modesta, mas ainda assim assombrosa para os padrões locais: R$ 15.031,76. É dinheiro demais para quem se limita a conceder comendas e títulos e apresentar projetos de lei quase sempre inúteis. Isso para não falar nos rapapés dispensados ao prefeito de plantão – seja ele quem for, diga-se de passagem.
            No popular, o prefeito vai receber, mensalmente, quase 43 salários-mínimos; já os vereadores, pouco mais de 21 salários-mínimos. Isso numa cidade em que cerca de 250 mil pessoas são beneficiárias do principal programa de transferência de renda do país: o Bolsa Família. Note-se que só recebe o benefício a família com renda de, no máximo, meio salário-mínimo per capita.

            Infeliz

            O reajuste parece deboche com o eleitor (e contribuinte) feirense. Sejamos, todavia, indulgentes: trata-se de um gesto infeliz, cometido num momento de extrema distração. Se é assim, pode ser revertido, em nome da moralidade e da razoabilidade: basta a apresentação de uma nova proposta, mais ajustada à realidade do município, revogando tamanha generosidade.
            Todos sabem que o mundo atravessa uma crise econômica aguda, com elevado desemprego e achatamento salarial na Europa e em países desenvolvidos. Essa crise, ao contrário do que alguns podem imaginar, chegou ao Brasil, reduzindo o crescimento econômico neste 2012.
            Assim, o discurso dos reajustes salariais módicos que serve para engambelar servidor público em greve deve ser aplicado também à classe política, particularmente no caso feirense. Será que no rol dos privilegiados beneficiários pela medida ninguém vai se manifestar contra o reajuste? Fica a indagação no ar...

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