Há
muitos anos, num desses debates de mesa de botequim, quando ainda militava no
movimento estudantil, formulei uma ideia que considerei, de imediato, brilhante
e original: a devoção ao socialismo, entre muitos, não se diferencia
enormemente da devoção religiosa. Muda apenas a natureza da veneração: abandona-se
o abstrato e se recai sobre o real; saem de cena os anjos e os santos e entram
os sisudos profetas do socialismo: Lênin para todos, Stálin para alguns e –
pairando como vértice principal da Santíssima Trindade profana – o velho Marx.
É
óbvio que a ideia não foi bem recebida: houve rejeição sob protestos veementes,
gestos encolerizados, dúvidas sobre minhas convicções socialistas. É óbvio,
também, que a formulação não tinha nada de original: estava atrasada em algumas
décadas, para meu pesar, conforme descobri depois. Essa imagem, no entanto,
nunca me saiu da cabeça.
Reencontrei-a quando contornei o Museu da
Revolução, em Havana, numa tarde ensolarada. O imóvel possui uma arquitetura
que meus escassos conhecimentos não permitem descrever, mas deduzo que seja
algo novo e, relativamente, arrojado.
O pitoresco,
porém, não estava no imóvel, mas nos adereços que o ornavam: através dos
vidros, via-se um tanque; também se via uma embarcação que, pelo que fiquei
sabendo, era o famoso Granma no qual
os revolucionários conseguiram chegar à ilha depois de uma viagem cheia de
imprevistos. Embora não me recorde bem, creio que havia também destroços de um
avião legalista abatido pelos revolucionários.
Essas
relíquias são objeto de uma desconcertante veneração por parte de ardorosos
revolucionários que visitam Havana. Lembram as piedosas figuras que viajam
centenas ou milhares de quilômetros para venerar suas imagens adoradas nos
países cristãos. No interior do museu há uma vasta exposição de objetos
pessoais pertencentes aos revolucionários.
O
desfilar silencioso de ateus extasiados com objetos expostos mostra que os
seres humanos ainda não conseguiram romper a lógica do paraíso cristão
prometido nos primórdios dos tempos: os socialistas apenas deslocaram o idílio
do além-túmulo para uma abstração idealizada e culturalmente forjada depois que
as mazelas do capitalismo forem extirpadas.
Como
a humanidade não consegue ir além da imitação de si mesma, o capitalismo também
tem sua versão idílica: o livre mercado em pleno funcionamento. Esse, por sua
vez, virá quando os gentios estatistas foram convertidos.
A
criatividade escassa também só permite uma metáfora com a veneração aos
artefatos revolucionários: Havana é uma espécie de Meca dos socialistas; uma
das últimas, a propósito, porque as demais caíram em profusão em meados do
século XX...
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