Pular para o conteúdo principal

Jornalismo “Mundo-Cão” ganha espaço


 
Embora pouco se fale atualmente, o fato é que o surgimento e a expansão da Internet mudaram o perfil dos telespectadores brasileiros e, provavelmente, de boa parte do mundo. A principal mudança é o tempo de permanência à frente dos aparelhos de televisão: antes – quando ainda não havia Internet – eram mais de quatro horas diárias, em média; hoje esse número caiu para pouco mais de duas horas. E, sem dúvida, a tendência é que permaneça caindo.
É mais do que óbvio que boa parte dos jovens pouco recorre à televisão, optando pela tela do computador e por suas infinitas possibilidades. Isso também é aplicável às pessoas com nível cultural mais elevado e por aqueles segmentos da população com maior poder aquisitivo. Até aí, nenhuma novidade.
O que há de novo na televisão são as mudanças na programação, que constituem, inclusive, tendências que vão se consolidando. Como quem permanece à frente da tevê, provavelmente, tem mais idade, menor nível de escolaridade e pertence às classes sociais menos abastadas, é lógico que as emissoras ajustem suas programações para alcançar esses públicos.

Jornalismo “Mundo-Cão”

É assim que, à moda baiana, cresce a olhos vistos o jornalismo “Mundo-Cão” das manhãs, do meio-dia e, mais recentemente, dos fins de tarde. É nele que os negros pobres da periferia são esculachados por apresentadores histéricos que aproveitam para vender milagrosos emagrecedores, energéticos possantes e que cedem, vez ou outra, a palavra para um pastor ávido pelo dízimo do fiel ou, então, promovem a qualidade duvidosa de algum grupo de pagode.
A expansão desses programas não ocorre à toa: a clientela fiel, quase sempre, pertence à mesma classe social do infeliz que é dissecado em frente às câmeras. Entre uma dose ou outra do emagrecedor da vez e antes de ir depositar seu rico dinheirinho na sacola sequiosa do pastor, o telespectador degusta a desgraça do infeliz que bem pode ser seu vizinho.
Ultimamente, na ânsia da audiência e de um pretenso estrelato, o jornalismo “Mundo-Cão” vem requintando seus excessos. È assim que suspeitos tornam-se bandidos incorrigíveis e criminosos pobres tornam-se alvo da chacota e do deboche de jornalistas supostamente ilustrados.

Alternativas

Há quem defenda, simplesmente, a supressão desses programas. Mas indiscutivelmente há quem goste e com base nessa opção é que os apresentadores defendem suas posições, escondendo-se atrás da sagrada trincheira da liberdade de imprensa e mostrando-se intrépidos valentões diante das câmeras.
Há, também, quem opine que somente a disseminação massiva da educação é o que vai mudar a cabeça da população, tornando-a menos suscetível a esses quadros de horrores. O inconveniente é que uma mudança do gênero leva gerações e, até lá, incontáveis infelizes terão sido expostos à sanha televisiva, antes de enfrentar os infortúnios das prisões baianas.
É provável que o caminho mais adequado seja o mais óbvio: a aplicação da lei, cerceando essas barbaridades cometidas todos os dias. Nem a censura, nem a omissão: apenas a aplicação corajosa da legislação já existente, mesmo que os gritos histéricos dos apresentadores tornem-se ainda mais estridentes.
      

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express