Pular para o conteúdo principal

O Sonho e o Feijão


           
             
           Crescimento econômico não necessariamente apresenta uma correlação direta com desenvolvimento e redução das desigualdades: é um dos seus determinantes, mas não é o único e, dadas as transformações em curso na economia mundial, talvez nem seja mais o mais importante. Embora o raciocínio seja objeto de inúmeras controvérsias e apaixonados debates, pensar nesses termos é desejável para desconstruir mitos que vão se solidificando aos poucos e que, com o passar do tempo, se tornam verdades incontestáveis.
            No Brasil, por exemplo, ainda prevalece uma mentalidade há muito sepultada nos países desenvolvidos: o mito de que a riqueza e a pujança de uma sociedade se devem, principalmente, à expansão das atividades industriais. Essa ideia surgiu para sepultar um raciocínio ainda mais antigo: o de que só o setor agropecuário é o responsável pela geração da riqueza. Isso foi lá no século XVII.
            A origem desse embate está na transição do feudalismo para o capitalismo: muito papel e muita saliva foram gastos para justificar a importância crescente da indústria, que propiciava o crescimento das riquezas e o desenvolvimento produtivo de forma admirável. Não demorou para a indústria e a vida urbana se tornarem símbolos do progresso e da prosperidade, enquanto o rural e o agrícola eram associados ao atraso.

            Países em desenvolvimento

            A chamada Revolução Industrial produziu um brutal incremento de riqueza e elevou a qualidade de vida da população dos países ricos a partir do início do século XX. O passo seguinte foi exportar esse ideal para as nações periféricas da América Latina e da Ásia. A partir dos anos 1930 essa retórica modernizadora chegou ao Brasil e o Estado, sob a tutela de Vargas, abraçou-o com sofreguidão.
             A industrialização primeiro vitaminou o Sudeste – particularmente São Paulo – e alcançou parte do Sul do Brasil. Somente nos anos 1960, também com a benção do governo, começaram a se implantar unidades industriais de grande porte no Nordeste e na Bahia.
            A exaltação ao papel da indústria na Bahia começou aí: impressionada com a vitalidade e o dinamismo das unidades fabris, a elite política baiana abraçou o conceito de que somente à sombra da indústria existe prosperidade e crescimento econômico. Diretamente beneficiada pelo fenômeno, a Feira de Santana também se contaminou com essa crença.

            Problemas Sociais

            O charme progressista das chaminés emitindo fumaça é inegável, porque impressiona e seduz. Porém, é muito pouco efetiva na resolução da pobreza e das desigualdades sociais que fustigam boa parte da população. Sobretudo a partir das últimas três décadas, quando o emprego na indústria vem se reduzindo drasticamente, em função da elevação da produtividade, sem expansão de postos de trabalho.
            O desenvolvimento integrado – que exige mais do que políticas setoriais – segue como uma urgência para ontem. Políticas para o setor industrial são excelentes para produzir o crescimento, mas não são suficientes para reduzir as desigualdades sociais, particularmente em realidades como a feirense.
            No Brasil e no mundo se mantem a necessidade de gerar opções de ocupação e renda para segmentos excluídos da população; por outro lado, a tendência da indústria de gerar novos postos de trabalho segue na contramão. Essas trajetórias contraditórias, por si mesmas, deveriam sinalizar que apostar apenas na captação de indústrias não é a receita mais apropriada para reduzir o desemprego. Entre o sonho e o feijão há, portanto, uma distância considerável...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...