Pular para o conteúdo principal

Bahia se destaca no genocídio juvenil

É estarrecedora a escalada de homicídios no Brasil e na Bahia, divulgada no Atlas da Violência 2018. Os números, referentes a 2016, assumem dimensão ainda mais dramática quando se projeta o futuro do Brasil a partir de 2019: pouco se fala em pacificar o País, reduzir a assombrosa quantidade de assassinatos. Pelo contrário: faz sucesso, na corrida presidencial, quem alardeia que pretende enrijecer a legislação, distribuir armas, estimular mais matança para – ironicamente – elevar a segurança pública, assegurar tranquilidade ao cidadão.
Se isso funcionasse, a Bahia estaria às vésperas de se tornar um paraíso na terra. Afinal, aqui se extermina em escala genocida, sobretudo quem é jovem. Em 2006, por exemplo, foram mortos 1.947 jovens com idade entre 15 e 29 anos. Dez anos depois, essa cifra saltou para 4.358. Acréscimo de estarrecedores 123,8%. O estado é recordista nacional: na sequência aparece o conflagrado Rio de Janeiro, com 3.386 mortes.
Quando o critério é taxa de jovens mortos por cem mil habitantes, a Bahia escorrega para um modesto quarto alugar – índice de 218,4 – atrás de Sergipe (280,6), Alagoas (240) e Rio Grande do Norte (237,3). Famoso pela violência endêmica, o Rio de Janeiro ocupa posição modesta no ranking, não indo além das 166,7 mortes de jovens por cada grupo de cem mil.
Os números apontam que os negros também costumam figurar com muito mais frequência na alça de mira dos assassinos. Em 2006, morriam 25,6 negros por cem mil habitantes; dez anos depois, foram 52,4, salto de 104%. Ser branco garante mais segurança: a taxa era de 7,2 e passou para 15,6 no mesmo intervalo. Noutras palavras, morrem mais de três vezes mais negros.

Explicações

Tornou-se enfadonho repisar as alegações para a escalada da violência no Brasil. Até a primeira metade da década diziam que o tráfico e o consumo de drogas – sobretudo o crack, cuja epidemia parece começar a arrefecer – eram as principais razões. Com a emergência das facções criminosas, isso passou a ser a principal explicação.
O problema é que não existe nenhum levantamento consistente sustentando esses argumentos. Trata-se, basicamente, de palpite. Como morrem jovens, negros, pobres, residentes em periferias ou bolsões de pobreza, a reação é de indiferença, às vezes até de alegre impiedade. Há quem opine que se mata pouco e que é necessário matar ainda mais. Conforme já indicado, até candidatos à presidência da República enxergam o problema sob esse prisma.
Autoridades policiais Brasil afora dizem que a morte violenta é o caminho de quem envereda pela criminalidade, que é necessário evitar as drogas, etc. Em outras palavras, reconhece-se a incapacidade do Estado de conter a violência no País, de reduzi-la a patamares aceitáveis. É inquietante constatar isso, principalmente para quem circula pelas ruas.
Armar o cidadão também é uma maneira sutil de reconhecer a incompetência do Estado em relação à segurança pública. Como julgam a via institucional falida, defendem o salve-se quem puder: quem quiser que enfie uma arma na cintura e se disponha a trocar tiros por aí, caso seja ameaçado.  Afinal, “bala trocada não dói”, como diz o velho ditado da malandragem.
Em suma, hoje o cenário já é trágico. Mas pode piorar muito a partir de 2019, conforme se intui a partir das entrevistas de alguns candidatos à presidência da República...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express