O vizinho município de Cachoeira
está se preparando para o São João. Na praça que abriga os festejos já existem
bandeirolas verde-amarelas, balões e a montagem de palcos e barracas segue
frenética. Pelas ruas estreitas, densas em História e Cultura, placas anunciam
o afamado licor de Cachoeira. Nesses estabelecimentos, as garrafas são exibidas
em arranjos, multicoloridos pela diversidade de sabores. A decoração do
comércio, o estalar dos fogos, as fogueiras empilhadas à porta das casas, tudo
lembra o São João.
Por lá tem chovido bastante,
nesse outono generoso. As nuvens avançam
ao longo do Rio Paraguaçu ou surgem sobre os paredões verdejantes na margem
oposta do rio, aonde se enxerga o casario multicor da vizinha cidade de São
Félix. Quando a chuva se precipita, o horizonte se dilui numa cortina prateada
que dança ao sabor do vento rijo.
Na zona rural o que se vê é
fartura: os milharais estão robustos, graciosos, espicham-se, mais altos que
uma pessoa de estatura média. Em Belém de Cachoeira, distrito que abriga parte
da produção agrícola do município, o agricultor familiar anda atarefado,
plantando, colhendo, indo vender na feira-livre de Cachoeira, no sábado.
Amendoim, abóbora, batata-doce e aipim figuram entre os produtos extraídos da
terra úmida.
Desde já é intenso o movimento
pelas ruas comerciais da cidade. Cachoeirenses e gente das cercanias visitam
lojas, resolvem pendências nos bancos e repartições públicas, abancam-se para
comer em restaurantes, lanchonetes e padarias, acertam viagens e fretes. Em
meio à agitação, viaturas circulam e agentes de trânsito tentam ordenar o
tráfego intenso.
A lufa-lufa é maior na Rua
Engenheiro Lauro de Freitas, aquela que serpenteia a cidade, levando à rodovia
BA 420, que se conecta à cidade. Mas as travessas também regurgitam, com gente
comprando, vendendo, pechinchando, carregando produtos. Muitos acertos são
feitos em altos brados.
Movimento
Cachoeira evoca o movimento, a
agitação, o ir e vir típico de quem mercadeja. Nos primórdios, o município –
estratégico entreposto comercial que conectava a baía litorânea com os sertões
ignaros – cumpria função de fazer circular mercadorias, animais para abate, viajantes,
mercadores, caixeiros viajantes, aventureiros diversos. Isso nos tempos
remotos, da navegação fluvial e, também, mais recentemente, a partir da
construção da estrada de ferro.
Essa vocação logística imprimiu
um ritmo próprio à cidade. Nela, tudo é movimento, sobretudo para quem se
dispõe a apreciar a orla agitada, pouso de saveiros, embarcações miúdas e até
navio de passageiros noutros tempos. O transporte fluvial foi extinto, mas
aquele cenário cachoeirense segue pujante até para os observadores mais
distraídos.
Sobre o Paraguaçu, deslizam
dezenas de embarcações – canoas de pescadores são comuns ainda hoje – que
enfrentam as águas crespas dos dias plúmbeos e a superfície lisa nos dias de
céu azul. Partidas e atracações realçam o movimento incessante que o trânsito
de automóveis e o trem esporádico reforçam: em Cachoeira, tudo é movimento, a
incessante circulação de gente e de riqueza.
Acima do paredão vegetal que limita
o casario de São Félix serpenteia a rodovia BA 420, que vai se conectar,
adiante, à BR 101. Por ela se veem automóveis e caminhões minúsculos, dançando
à margem do despenhadeiro ou, subitamente, emergindo da vegetação densa. Essa
movimentação empresta vida à paisagem que se desnuda a partir da orla fluvial
de Cachoeira.
Represa
e Ponte
À direita da orla, para além da
ponte imponente – símbolo da junção das cidades irmãs, Cachoeira e São Félix –
é incessante o vaivém de veículos no trecho curto da BR 101. Mas, ali,
grandioso é o espetáculo da represa de Pedra do Cavalo, cujas comportas
despejam o fluxo que encorpa o Paraguaçu às margens de Cachoeira.
Reforçando essa sensação de
movimento perene há a ponte histórica. Sobre ela circula quem se locomove pela
rede de cidades do Recôncavo baiano; também quem percorre distâncias maiores e
que, por uma circunstância qualquer, transita por Cachoeira ou São Félix; e a
população das duas cidades que encena, numa ou noutra, a vida cotidiana.
Em suma, é o movimento que
magnetiza o olhar de quem aprecia o Recôncavo a partir da orla de Cachoeira. O
impulso desse vaivém é dado pela logística privilegiada da região. Mas há quem
enxergue aquela orla sob o prisma das belezas naturais ou do patrimônio
arquitetônico. Isso, porém, é tema para mais um artigo, pelo menos...
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