No
fim de julho de 2012 fiz uma longa viagem rodoviária entre Vitória, a capital
do Espírito Santo, e a Feira de Santana. A viagem coincidiu com uma paralisação
de caminhoneiros, pois parte se indispunha com uma lei que regulamentava a
jornada de trabalho da categoria. À noite, ao longo da BR 101, testemunhei
piquetes em cidades como Serra, Linhares e São Mateus, municípios cortados pela
rodovia. Na oportunidade, a categoria se mobilizava fora das grandes cidades,
distante dos olhos da população.
Sob
a leitosa neblina de uma noite sem lua, acenderam-se imensas fogueiras às
margens da pista, aonde muitos caminhoneiros se aqueciam. Infindáveis fileiras
de carretas iam se sucedendo, mesmo nos trechos mais sinuosos da BR 101. Havia,
no ar, certa tensão: nem todo mundo concordava com a mobilização e, aqui ou
ali, as divergências afloravam.
A
partir do Extremo Sul da Bahia – onde predominam monótonas plantações de
eucaliptos e extensos pastos que alimentam o gado leiteiro – o movimento foi se
rarefazendo. Nas imediações de Itabuna a mobilização era apenas uma notícia
distante nos postos de combustíveis: neles, caminhoneiros descansavam, comiam
ou dedicavam-se à zelosa manutenção dos seus possantes veículos.
A
greve de 2018 é essencialmente diferente sob dois aspectos: há, supostamente,
uma adesão monolítica, já que no início não se viam contestações através da
imprensa; e existe um inédito nível de organização, incomum para uma
mobilização que se atribui a caminhoneiros autônomos. Quem trafegou pela BR 116
Norte nos últimos dias, aqui mesmo na Feira de Santana, certamente constatou o
fenômeno.
Organização
Ontem
(24) dezenas de caminhões espalhavam-se às margens da BR 116 Norte, pelos
bairros Parque Ipê e Campo Limpo. Caminhões-baú e carretas de transportadoras,
inclusive, reforçavam o movimento: eram visíveis emblemas de cervejarias, de empresas
atacadistas, de transportadoras de mercadorias e de produtos químicos. Ainda
hoje (25) basta passar pela rodovia para constatar.
No
início da tarde, um novo ponto de concentração surgiu, no antigo posto da
Polícia Rodoviária Federal, defronte à Uefs. Lá, em algumas carretas,
tremulavam faixas pedindo “Intervenção Militar já”. Hoje, apesar de o governo
anunciar uma trégua – cedendo às exigências do movimento – tudo permanece no
mesmo. A afronta mostra o quanto o governo é fraco.
Como
se tornou rotina, magotes de caminhoneiros – trajando camiseta, bermuda e
sandália de dedo – juntam-se, conversam, apreciam o incessante movimento da BR
116. Entre eles, alguns grupos ocupam parte da pista, interrompem o tráfego
para que pedestres atravessem ou falam ao telefone. Pelo jeito, integram um
grupo organizado, responsável pela coordenação das ações.
Para
quem não deseja enfrentar o calor rijo ou o chuvisco eventual, toldos oferecem
abrigo. E enormes caixas de isopor guardam o lanche e a bebida que muitos consomem
enquanto caminham sobre o asfalto pegajoso. Rotina organizada para uma
mobilização que reunia, inicialmente, apenas caminhoneiros autônomos
garroteados pelos reajustes do óleo diesel, segundo a narrativa convencional.
Emedebismo de
joelhos
Nos
três primeiros dias, praticamente ninguém da chamada grande imprensa fez
referência ao hipotético apoio do patronato à greve. Pelo contrário, havia
simpatia e conivência. Ontem, com os problemas se avolumando, começaram a
surgir as primeiras reações, até mesmo para ajudar o claudicante governo de
Michel Temer (MDB-SP), o mandatário de Tietê, que verga sob a pressão da paralisação.
No
fim da noite de ontem, o governo cedeu a todas as exigências e apressou-se em
divulgar um acordo. Mas as organizações da categoria – as transportadoras,
evidentemente, não se envolvem de maneira direta, embora o governo suspeite de
participação – repeliram a tratativa. A notícia mais recente dá conta de que
pretendem estender a paralisação, pelo menos, até a terça-feira.
Tudo indica que essa
mobilização marca o início da liquidação do governo de Michel Temer. É provável
que outras categorias – aquelas com maior poder de pressão – vão acuar o
governo, fraco e refém dos conchavos de balcão, em busca de benesses. O custo
dessas chantagens e desses acordos, certamente, vai ficar com o contribuinte
brasileiro, como sempre acontece nessas ocasiões...
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