Há
dois meses o Rio de Janeiro convive com a intervenção federal na sua segurança
pública. A medida foi anunciada como uma grande sacada de Michel Temer
(MDB-SP), o mandatário de Tietê, para alavancar sua candidatura à presidência
da República. Os resultados apresentados até agora são pífios – segundo a
imprensa, a violência cresceu – e nada sinaliza que a situação vá melhorar até
dezembro. Mesmo assim, bilhões de reais serão torrados com a iniciativa marqueteira.
Enquanto
isso, cariocas e fluminenses tentam tocar a vida com a máxima normalidade
possível. Quem se aproxima do estado pela Via Dutra – a rodovia que une Rio e
São Paulo, as duas maiores cidades do País – e envereda no estado pelo Sul,
extasia-se com os recortes dos parques nacionais do Itatiaia e da Bocaina e se
encanta com o rio Paraíba do Sul e sua caudalosa torrente. A beleza e a
quietude impressionam.
Adiante,
pelo campo, sucedem-se casarões nos campos férteis, radiosamente iluminados
pelo sol no céu de azul puríssimo. São relíquias dos tempos em que a lavoura
cafeeira foi se irradiando a partir de São Paulo, forjando a prosperidade que,
durante décadas, sustentou o comércio exterior brasileiro.
Mais
adiante – enquanto se sucedem Resende, Porto Real, Barra Mansa – o capim
verdejante se mescla a vestígios de Mata Atlântica: imensas árvores que
oferecem uma sombra hospitaleira, úmida, agradável. Também é visível o
movimento às margens da BR 116 – com seus postos de combustíveis, oficinas,
lojas de autopeças, restaurantes e churrascarias – e a relativa pujança das
economias daqueles municípios.
Baixada
Fluminense
Depois
de se deslumbrar, extasiado, com a indescritível beleza da Serra das Araras –
trecho íngreme de cinematográficas curvas acentuadas entre Mangaratiba e Piraí – o viajante vai, aos poucos, se aproximando
da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O percurso pela Baixada
Fluminense – Queimados, Nova Iguaçu, Belford Roxo e São João do Meriti –
evidencia os nítidos contrastes que fraturam a sociedade carioca.
Aqui
ou ali ainda há algum resquício de Mata Atlântica. Mas as aglomerações de
casebres vão se adensando, originando intermináveis favelas que desafiam morros
íngremes, vales profundos e trechos úmidos de mangue. Riachos convertem-se em
canais que escoam detritos. E paredes sem revestimento – de tijolos nus -, longas
tubulações que lançam dejetos, improvisadas canalizações de água e toscos
postes que sustentam a rede elétrica atestam a precariedade daquelas moradias.
Naquele
trecho avolumam-se galpões abandonados que já abrigaram empresas; ruas
comerciais fervilham, atendendo a clientela pobre; o apelo religioso é
onipresente, porque as igrejas, com suas mensagens em placas e out doors, se multiplicam. E, pela BR
116, o trânsito local condensa-se ao infindável ir e vir de carretas possantes.
Zona Norte
São
João do Meriti – densa aglomeração urbana cujo comércio é febril – prenuncia o
Rio de Janeiro. Um longo trecho de mangue – no qual boiam milhares de garrafas
plásticas, sacos plásticos e repousam até sofás – precede a Pavuna, o primeiro
bairro da imensa periferia que é a Zona Norte do Rio de Janeiro. A partir dali
as favelas se adensam, numa região cuja constante planície camufla a miséria.
Dali
até São Cristóvão – onde desde sempre desembarcaram os migrantes nordestinos –
o viajante começa a testemunhar a dinâmica da exclusão. Afinal, deixa a BR 116
e percorre a Avenida Brasil, que margeia Vigário Geral, Braz de Pina, Penha,
Ramos, o Complexo da Maré e Bonsucesso, até alcançar São Cristóvão, cuja
feira-livre é afamada.
Nesse
percurso o cenário atesta a exclusão cruel: milhares de barracos minúsculos se
sucedem, enveredando por morros, margeando caudalosos riachos convertidos em
esgoto, acomodando-se em desconfortáveis barrancos. Nos trechos mais prósperos
viceja o comércio popular, com seus mercados, açougues, padarias, clínicas,
restaurantes que servem prato feito e biroscas que abrigam gente que bebe
cerveja e espera o tempo passar.
Crise
Somente
a partir da Ilha do Governador – que abriga a Universidade Federal do Rio de
Janeiro – é que o turista convencional começa a reconhecer o Rio de Janeiro que
incendeia o imaginário. Há mais transporte e o infindável suceder de favelas
contracena com dezenas de empresas que gravitam num circuito de maior
prosperidade. A partir dali as placas já indicam os familiares destinos
turísticos: a Zona Sul, o centro revitalizado, Niterói, o Maracanã, a Quinta da
Boa Vista.
Mesmo
assim, os desdobramentos da terrível crise econômica – que afetou, sobretudo, o
Rio de Janeiro – permanecem visíveis: dezenas de moradores de rua abrigam-se,
em grupos, em viadutos malcuidados, carregando seus magros pertences. Não são
apenas usuários de drogas: muitos foram abalroados pela crise implacável e, sem
alternativa, vagam pelas ruas à espera de uma incerta oportunidade no futuro.
Mas o Rio de Janeiro,
evidentemente, não se esgota nessa leitura. Sobretudo a capital fluminense, que
permanece deslumbrante, apesar de todas as mazelas que lhe vem sendo impostas
nas últimas décadas. Mas isso é assunto para outro texto...
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