Sábado
passado (12) o sol irradiava uma luz festiva, puríssima, sob um céu de azul
indevassável nas cercanias do Bessa e de Amélia Rodrigues. Foi uma dessas
manhãs típicas de maio, com o sol caricioso e o dia resplandecendo num
espetáculo de cores. Nela, o viajante que trafegava pela BR 324 pôde se
extasiar com os infinitos tons de verde do capim viçoso, dos resquícios de Mata
Atlântica que se encarapitam pelos morros e das árvores frutíferas – manga,
jaca, coco e caju – que ornam a margem da pista.
Mas,
por ali, o que chama muito a atenção são os caprichados cultivos de hortaliças.
Alface, cebolinha, coentro, couve e salsa crescem – num verde vívido – em covas
bem cuidadas e umedecidas pelas chuvas que caem com frequência desde abril.
É
comum se deparar com um trabalhador em sua faina: colhendo hortaliças muito
tenras nos inícios de manhã, regando quando as chuvas escasseiam ou cavoucando
a terra preparando novas covas que, lá adiante, vão desabrochar numa
maravilhosa demonstração de fartura.
O
trecho de cultivo intenso é curto ao longo da BR 324 que margeia o Bessa e
Amélia Rodrigues. Limita-se a essas duas localidades, mas se expande também em
direção a Conceição do Jacuípe – cuja plantação é afamada – e na direção de
Oliveira dos Campinhos, às margens da BA 084, no caminho entre a Feira de
Santana e Santo Amaro.
Chuvosa,
com terra fértil e relativamente próxima a alguns dos maiores centros urbanos
da Bahia – Salvador, Feira de Santana, Alagoinhas, Cruz das Almas e Santo
Antônio de Jesus não ficam distantes –, aquela região poderia suprir mais
facilmente esses mercados com seus produtos, impulsionando uma virtuosa cadeia
produtiva.
Desde
que os portugueses se consolidaram no Brasil que o entorno da Baía de Todos os
Santos assumiu função estratégica na geração de riquezas. Primeiro com a
cana-de-açúcar, especiaria que os lusitanos distribuíam pela Europa com lucros
expressivos. Essa fase originou um ciclo econômico – o primeiro da nova colônia
– e ajudou na ocupação da faixa litorânea do Nordeste.
Milton Santos
Por
aqui, depois, veio o cultivo do fumo. Nunca assumiu a importância da
cana-de-açúcar, mas contribuiu para um incipiente processo de implantação de
unidades industriais da Bahia, por volta do século XIX. O produto se tornou uma
das principais commodities produzidas
em solo baiano, antecedendo a onda febril do cacau, que se expandiu mais ao
Sul.
Esses
usos do fértil e cobiçado solo do Recôncavo produziram o latifúndio e a
monocultura. Ao longo do século XX – sobretudo a partir da segunda metade –
surgiram propostas de redesenhar o mapa produtivo da região, transformando a
estrutura fundiária e incentivando a produção de alimentos. Essa guinada
ampararia um objetivo estratégico: contribuir com a industrialização de
Salvador e seu entorno.
Produzindo
alimentos baratos – com produtividade elevada e condições de escoamento mais favoráveis
– seria possível ofertá-los com preços mais baixos na capital, reduzindo o
custo da mão de obra urbana. Isso iria favorecer a implantação de indústrias em
Salvador e nas cercanias, diversificando a economia baiana e dinamizando-a.
O
geógrafo Milton Santos – grande pensador da realidade baiana no início de
carreira, nos anos 1950 – foi um dos entusiastas da ideia, defendendo-a em
algumas publicações. Desde então, porém, nenhum governo abraçou a proposta, que
foi sendo esquecida em livros e relatórios técnicos elaborados à época.
O
cultivo de hortaliças que se dissemina em pequenas propriedades mostra que a
ideia permanece viva e atual. Mas seria necessário o impulso estatal, na forma
de um plano de desenvolvimento que estabelecesse linhas de intervenção,
ofertando crédito, qualificação, infraestrutura logística – bem ou mal, já
existente – e, o que é mais arrojado, uma política de reordenamento fundiário.
Mas vivem-se tempos
ásperos. A barganha, o acerto de balcão – única mediação possível no falido
sistema político brasileiro – e a crença ingênua na perfeição do “deus mercado”
inibem iniciativas arrojadas desse naipe. Uma pena, pois uma rica porção do território
baiano segue subaproveitada e o baiano nas grandes cidades paga caro pelo
alimento que leva à mesa.
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