Um
dos desdobramentos da onda conservadora – reacionária até – que varre o Brasil
nos últimos tempos é a crítica intensa à afirmação de direitos de minorias e
segmentos da população historicamente excluídos. Os afrodescendentes – negros e
pardos –, evidentemente, não iam ficar de fora desse patrulhamento. Dizem que,
nos últimos tempos, se atiçou o conflito racial, contrariando a harmoniosa
“democracia racial” que vigorava noutra era. Conversa fiada: essa integração
nunca existiu e as profundas desigualdades sociais do País alvejam, sobretudo,
os afrodescendentes.
A
própria Feira de Santana exibe um panorama que atesta esse processo de
exclusão. Uma referência é o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que avalia
a qualidade de vida sob três dimensões: expectativa de vida ao nascer, renda e
acesso à educação. No município – confirmando o que se verifica em outras
regiões do País – há visíveis discrepâncias. Os dados são de 2010, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O
IDH da população negra na Feira de Santana, por exemplo, não ultrapassa 0,690,
patamar que é considerado médio. O dos brancos é bem maior: 0,783, transitando
na faixa como de desenvolvimento elevado. Essas diferenças transitam do
abstrato para o real quando se parte para a análise decomposta do indicador.
Em
2010, por exemplo, o percentual da população negra com mais de 18 anos e nível
fundamental completo totalizava 55,10%. Entre os brancos, o desempenho era
melhor: 67,24%. Com nível médio completo, com idade entre 18 e 20 anos as
diferenças são mais acentuadas: enquanto os negros cravavam 31,86%, os brancos
alcançavam 47,61%. Em que pese o desempenho global sofrível, isso significa que
os brancos conservam uma dianteira de quase 50%.
Diferenças
As
diferenças se anulam um pouco em relação à expectativa de vida, mas mesmo assim
a população branca é mais favorecida: a projeção de 2010 era de que esse
segmento viveria, em média, 75,17 anos, enquanto os negros não passariam de
73,7 anos. Note-se que a expectativa é agregada em relação a gênero, abrangendo
homens e mulheres.
É
no quesito renda que a diferença é mais acentuada, de acordo com a projeção do
IBGE: enquanto, em 2010, a renda média per
capita da população negra não ia além de R$ 519,64, os brancos embolsavam
mais que o dobro dessa soma: R$ 1.229,60. Essa renda, a propósito, não
distingue a remuneração do trabalho dos rendimentos do capital, o que ajuda a
favorecer os brancos na estimativa.
Essas
informações foram coletadas há quase uma década, no Censo 2010. Apesar do
intervalo, é provável que a realidade tenha mudado pouco: não se verificaram
saltos na qualidade da educação – requisito essencial para a ascensão social,
embora não o único – e, menos ainda, na perversa estrutura de distribuição de
renda do País e da própria Feira de Santana.
No
meio do caminho houve um soluço de prosperidade que projetou uma festejada
“classe C”, que teve acesso inédito a um conjunto de bens de consumo. Mas, há
quase quatro anos, o soluço desembestou num crônico engasgo que atravancou a
prosperidade efêmera. Não existem números muito atuais, mas, como sempre,
provavelmente foram os negros as principais vítimas da impiedosa recessão cujos
efeitos ainda são visíveis.
Num
próximo texto, vamos apresentar mais alguns números e análises que reforçam as
constatações deste primeiro texto.
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