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A rotina agitada da Praça do Tropeiro

Quem desce a rua Recife em direção ao Centro de Abastecimento, lá embaixo, se depara com a afamada Praça do Tropeiro, defronte ao galpão de carnes. Há, ali, um monumento discreto que reforça a referência: a figura de um vaqueiro devidamente paramentado – gibão, chapéu, botas – que puxa um cavalo esguio pelas rédeas. O próprio vaqueiro também é esguio e parece talhado para se insinuar pela vegetação agreste, espinhosa, típica das cercanias que se estendem em direção aos sertões.
Pouca gente, porém, gasta seu tempo ali examinando com mais vagar a figura imponente. Nem mesmo os tabaréus que desfilam exibindo gibões e que, atarefados, dedicam-se às necessárias compras e à resolução de pendências, antes que os ônibus partam em direção aos longínquos lugarejos da Feira de Santana e dos municípios vizinhos.
Os que circulam por ali costumam demonstrar pressa: engatam caminhada em direção ao centro da cidade, vencendo com pernadas firmes a íngreme rua Recife. Essa procissão errática – as delegações rurais não costumam desembarcar nos mesmos horários – ganha vigor às segundas-feiras, sobretudo naquelas mais agitadas, de início de mês, quando se está com dinheiro no bolso.
Mais tarde muita gente se aglomera no ponto de ônibus, à espera da condução para a zona rural. Normalmente embarcam em velhos ônibus que trafegam pelas vias esburacadas das roças distantes. Na Praça do Tropeiro embarcam-se imensas sacas de milho e farelo, que serve de ração para os animais; outros compram biscoito, óleo, enlatados, arroz, macarrão e embutidos para abastecer a despensa doméstica; ferramentas para a lida na roça e rolos de arame farpado figuram entre as mercadorias comuns.

Viagem

Não faltam colchões de estampa colorida, móveis – cadeiras, tamboretes e até mesas – e os comerciantes estabelecidos com suas vendinhas compram caixas com garrafas de cachaça, conhaque barato, vinho ordinário. Misturada a tudo isso vai a gente, que entabula conversas aos berros, ri, se informa sobre a vida da comunidade. Bancos mais afastados acomodam homens magérrimos, sisudos, com largos chapéus na cabeça, alguns deles de pouca conversa.
Enquanto aguardam, consomem picolés ou água mineral para espantar o calor, ajeitam os embrulhos com as compras, ralham com as crianças inquietas, comentam as chuvas recentes, as expectativas sobre as safras, a violência que se alastra pela zona rural. Os homens às vezes fumam cigarros artesanais, as mulheres examinam produtos oferecidos pelos camelôs.
Esse movimento ganha intensidade no início da tarde. Às 16 horas quase todo mundo já foi: os retardatários são aqueles que residem pelo rural feirense e que embarcam nas vans que integram as linhas regulares. Vão menos pejados, porque as viagens à cidade são mais constantes e mais baratas. É melancólico o vazio do entardecer, sobretudo às segundas-feiras.
Esses frequentadores, em trânsito, se somam àquela gente que vai à Praça do tropeiro em busca de entretenimento. Misturam-se, ali, muita gente do campo que vem nessas viagens rápidas; e a gente modesta que trabalha nas cercanias ou que vai beber a cerveja mais barata dos inúmeros boxes que se espalham pela praça.

Barracas

Tudo é muito simples: as barracas, metálicas e quadradas, acomodam um freezer, uma prateleira na qual se exibem copos americanos pendurados, doces ou salgadinhos e um balcão ao qual recorre quem passa apressado, desejoso de beber só uma dose de aguardente. Lá fora, sobre a calçada malconservada de pedras portuguesas, distribuem-se mesas e cadeiras plásticas, dessas distribuídas pelas cervejarias.
Na calçada acomoda-se também uma churrasqueira metálica, encardida de gordura e ferrugem, na qual ardem linguiças lustrosas, fatias de carne bovina, pedaços miúdos de frango e carne de porco. Conversa-se aos berros, bebem-se largos goles de cerveja, examina-se a carne disposta na grelha, desprendendo uma azulada fumaça gordurosa.
Às vezes estalam discussões que mobilizam os apaziguadores tradicionais. Ali reúnem-se os tabaréus, mas também trabalhadores braçais, ambulantes, camelôs, malandros e gatunos eventuais. Algumas mulheres circulam, desenvoltas, entre as mesas, ouvindo galanteios. A agitação só sossega quando a noite cai e melancólicas lâmpadas elétricas tentam espantar a escuridão.
A relação da Praça do Tropeiro com o Centro de Abastecimento é umbilical. É provável que tenha sido construída em meados dos anos 1970, quando o Parque Manoel Matias – toda a área que abrange a gigantesca feira-livre à qual se pretendeu circunscrever a antiga feira-livre – foi construído, numa audaciosa iniciativa de expansão do centro comercial da Feira de Santana.

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