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Talibã, crise energética e o mulá Jair

 

Lembro que, há vinte anos, em 2001, dois temas dominaram o noticiário durante boa parte do ano: no primeiro semestre, no Brasil, uma crise hídrica que levou ao racionamento de energia elétrica e desgastou bastante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A partir de 11 de setembro, o atentado às torres gêmeas, em Nova Iorque, projetou o Talibã, a Al Qaeda de Osama Bin Laden e o Afeganistão. Ironicamente, exatamente duas décadas depois, eis os dois temas de volta ao noticiário.

Comentários de especialistas indicam que é grande o risco de apagões e racionamento de energia no Brasil. O deplorável governo de Jair Bolsonaro, o “mito”, começou fingindo que o problema não existe. Diante da realidade incontornável, ensaia reações patéticas, confusas. Como uma crise energética prejudica a campanha à reeleição, mente-se apostando – canhestramente – que o brasileiro, distraído, nem vai perceber o problema.

O roteiro que se desenha, aliás, é bastante previsível. Primeiro, nega-se o problema. Lá adiante, arranjam-se culpados, terceirizam-se responsabilidades. Provavelmente vai sobrar até para o brasileiro médio, coitado, que teima em não apagar suas lâmpadas. Imagino que o petê e os governos “comunistas” que antecederam o “mito” também serão responsabilizados pela inércia, por não terem privatizado tudo.

No Afeganistão, o vocabulário da época está sendo resgatado. Tudo começa pela geografia: Cabul, Kandahar, Jalalabad, Gardez – remotos lugarejos empoeirados – voltaram à tevê, povoam as mídias digitais. E tome mapa, tome especialista explicando os 20 anos de presença norte-americana por lá – a escalada de conflitos começou em 1979 – e o país, quase esquecido, torna-se de novo familiar ao brasileiro comum. Expressões antigas também já retornaram ao noticiário: mujahedin, sharia, mulá e por aí vai.

Naquela época, me aventurei escrevendo uns artigos para a imprensa feirense e, posteriormente, fui comprando os livros que iam saindo, fascinado com aquele momento ímpar da História. Estou até relendo um deles: o “Vulto das Torres”, de Lawrence Wright, que venceu o prestigiado prêmio Pulitzer de 2007. É irônico, mas, tempos atrás, até pensava em me desfazer das publicações, julgava-as obsoletas. Mas eis que o Talibã e o Afeganistão retornam ao noticiário...

Por aqui, conhecer a História também é essencial, por mais inquietante que, às vezes pareça. Até outro dia estava convicto que, no futuro, o Brasil tinha um grande passado pela frente. Agora, hesito. Sob os delírios do mulá Jair e sua seita pagã, talvez nem isso tenhamos mais: ao invés do passado como futuro, corre-se o risco efetivo de nem termos mais futuro.

É triste, 20 anos depois, deparar-se com os mesmos percalços, só que em contextos de muito mais gravidade...

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