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O centro vai ficar novo, mas sem alma

 

Percorri algumas ruas do centro da Feira de Santana e testemunhei a evolução das obras do Novo Centro, que vai ganhando formatação definitiva. Calçadas largas, atraentes para o pedestre, mais confortáveis. Vai ficar tudo muito bonito. Mas, sem o tradicional comércio de rua que faz a fama da Princesa do Sertão, tudo ficará sem alma. A Prefeitura pretende, agora, remover os feirantes, com suas frutas e verduras, da Marechal Deodoro. Hoje (14) houve mais uma manifestação destes trabalhadores.

O que restará, então? Pelo jeito, amplos espaços vazios, sem gente e sem alma. Não, não se trata de defender sujeira, degradação e ocupação desordenada e irracional, que inclusive decorreram da própria omissão do poder público nas últimas décadas. Gente sem traquejo com ideias considera que, ou é o havia antes, ou aquilo que a Prefeitura está fazendo. Sem opções intermediárias.

Sigo concedendo-me o direito de pensar em alternativas. Não havia a possibilidade de erigir o Novo Centro com ocupação ordenada, contemplando aqueles que, há décadas, tiram dali o seu sustento? No centro de Salvador, por exemplo, as intervenções recentes viabilizaram a permanência de muitos ambulantes. Aqui na Feira de Santana não se abriu, sequer, diálogo.

Na visão de quem concebeu o Novo Centro, não cabem feirantes, camelôs e ambulantes nas ruas comerciais da Princesa do Sertão. Todos estão sendo desterrados: camelôs e ambulantes para o festejado shopping popular encravado no degradado Centro de Abastecimento; os feirantes, para as feiras-livres dos bairros, ou para o próprio Centro de Abastecimento que, como sabe quem frequenta aquele espaço, está abandonado, sujo e em assombrosa decadência.

A burocracia cinzenta, pelo jeito, quer revogar hábitos antigos do consumidor feirense, como comprar frutas e verduras, com comodidade, nas ruas centrais da cidade, o que se faz há décadas. Antes, sufocaram o comércio intenso de camelôs e ambulantes, transferindo-os para as cercanias do Centro de Abastecimento. Vai dar certo? O passado mostrou que não. Agora, investe-se numa nova tentativa.

Mais do que um simples ordenamento, o projeto vai alterar a lógica de funcionamento do centro da cidade. Pouca gente está atenta a este detalhe que, no fundo, não é detalhe. Trata-se de uma intervenção estrutural. As eleições, a pandemia, a crise econômica, tudo vai obstruindo o debate e o Novo Centro avança sem discussão.

É bom reiterar, porque muitos mentecaptos por aí têm dificuldade de compreender até raciocínios bem elementares: não se trata de ser contra a revitalização do centro da cidade, mas de questionar as escolhas e as soluções apresentadas que prejudicam, sobretudo, quem extrai seu sustento daqueles espaços há décadas.

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