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Sobre lampiões, lamparinas e fifós

 

Lembro que, na minha infância, encantava-me ir ao Centro de Abastecimento e ver, em exposição, dezenas de apetrechos indispensáveis à vida no campo. Ficavam à venda naquele galpão intermediário, perto dos extintos boxes de artesanato. Um dos artigos que mais despertava a minha atenção era as lamparinas – ou fifós ou lampiões – exibidas em alinhadas fileiras. Nunca esqueci do metal fosco, sem brilho, muito empregado na fabricação daquele artefato rudimentar de funileiro.

– O que é isso? Indaguei, curioso, certa vez, a meu pai.

Ele riu muito e explicou que aquilo servia para a vida na roça. Iluminava as noites de quem não dispunha do conforto da energia elétrica, das lâmpadas. Fiquei estarrecido: inimaginável a vida no escuro, à noite.  Depois, às vezes, via na tevê casas pobres iluminadas por candeeiros, lamparinas e fifós no interior remoto do Brasil. Passei a associar o artefato ao atraso, a um tempo que tendia a desaparecer.

No fim da tarde de hoje (31) li que vão criar nova bandeira para as tarifas de energia elétrica, obviamente mais cara. Negligenciaram os riscos, desdenharam as previsões dos cientistas – o mesmo roteiro da pandemia – e, agora, estão despertando para a gravidade da crise hídrica, que afeta o fornecimento de energia no País. Lembrei de prováveis racionamentos e, também, do iminente risco de apagões. Pensei, então, que as lamparinas talvez não sejam tão anacrônicas assim.

Quando falta energia elétrica é comum recorrer-se às velas, que são mais práticas. Lamparinas ou lampiões exigem manejo e combustível e costumam desprender uma fumaça desagradável. A partir daqui é bom, portanto, examinar gavetas, conferir se o estoque de velas é suficiente. Quem é mais chique talvez já esteja planejando adquirir castiçais, os antigos eram ostentativos, cheios de detalhes. Ou recorrer, pragmaticamente, a um kit de energia solar.

Talvez o leitor enxergue exagero nestas lembranças. Até concordo. Mas quando recordo que, no começo da pandemia, negacionistas e terraplanistas diziam que não morreriam nem mil brasileiros – caminha-se para trágicos 600 mil óbitos – sinto a tentação de providenciar velas, fósforos e, quem sabe, uma daquelas lamparinas que eram vendidas no Centro de Abastecimento da minha infância.

Afinal, pelas ruas, o tema mais recorrente – além da pandemia – é a carestia que se irradia pela economia. Combustíveis, botijão de gás, remédios, energia elétrica, alimentação, tudo sobe de preço assustadoramente. E o desgoverno, o que faz? Açula os lunáticos, impele-os a um levante de alucinados que, talvez, resulte em um banho de sangue no 7 de setembro.

Então, é melhor já ir providenciando velas e fósforos para potenciais apagões.

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