–
O governo é entreguista na economia e totalitário nos costumes!
Ouvi
a frase num encontro casual no centro da Feira de Santana. Chovia miúdo e o
interlocutor estava apressado. Tentei estender o papo, dar-lhe crédito pela
frase, mas ele dispensou a deferência com um gesto de desdém. É amigo há
décadas, dos fervilhantes tempos de estudante, de pouca grana e muitos sonhos.
Despediu-se com uma saudação impaciente e seguiu adiante, insatisfeito com a
chuva que lhe embaçava os óculos.
Trafegando
pela Carlos Gomes – o movimento continua fraco, o povo está sem dinheiro e com
medo da Covid-19 – matutava sobre a frase de efeito. Não deixa de ser frase de
efeito, mas traduz bem estes tempos tormentosos. Cheguei à constatação quando
aguardava para atravessar a Senhor dos Passos, entre motoristas impacientes e
pedestres imprudentes.
Reparando
bem, se o califado bíblico que os acólitos de Jair Bolsonaro, o “mito”, almejam
saísse do papel, isso aqui faria inveja ao Talibã, ao próprio Estado Islâmico.
Bastaria ao sujeito espirrar para saltar um esbirro fanatizado de lá,
vaticinando se o espirro é bíblico ou não. Pelas ruas, nas praças feirenses, já é
possível testemunhar julgamentos do gênero. Quem o faz, por enquanto, ainda não
tem o poder de um esbirro. Mas, do jeito que vai...
Na
Praça Froes da Motta concluí o raciocínio, desviando-me de uma turma que, sem
máscara, conversava animadamente numa rodinha. Lá lembrei dos privatistas – ou
entreguistas, que querem rifar tudo para os estrangeiros – e do despudor e da
sabujice com que se movem. Outros, os pobres, coitados, são crédulos.
Não
é à toa: não falta quem creia com ardor na “meritocracia”, que basta se
esforçar o suficiente para acumular fortunas. Crer na infalibilidade do “deus
mercado”, aliás, é uma forma pagã de fé que arrebata muitos religiosos hoje.
Àquela
altura, espichando o olho para a extensa fileira de carros que avançava
lentamente pela Ladeira do Nagé, resolvi aproveitar a frase. Lembrei do autor –
espírito anárquico, cáustico crítico do governo do “mito” – e do crédito
indispensável. Consultei-o, por fim, pelas mídias sociais.
–
Faz de conta que você ouviu numa rede social, leu na internet, qualquer coisa
assim. Acho um saco esse negócio de direito autoral, de propriedade. Tô ficando
velho, mas mantenho o mesmo espírito anarcopunk
de quem ouvia Sex Pistols e Crass...
Comentários
Postar um comentário