“Mas a sua grande paixão, o
seu fraco, era a farda, adorava tudo que dissesse respeito a militarismo, posto
que tivera sempre invencível medo às armas de qualquer espécie, mormente às de
fogo. (...) a presença de um oficial em grande uniforme tirava-lhe lágrimas de
comoção; conhecia na ponta da língua o que se referia à vida de quartel;
distinguia ao primeiro lance de olhos o posto e o corpo a que pertencia
qualquer soldado e, apesar dos seus achaques, era ouvir tocar na rua a corneta
ou o tambor conduzindo o batalhão, ficava logo no ar, e, muita vez, quando dava
por si, fazia parte dos que acompanhavam a tropa. Então, não tornava para casa
enquanto os militares não se recolhessem”.
O
trecho é do romance “O Cortiço”, do escritor maranhense Aluísio Azevedo. O parágrafo
refere-se a uma personagem secundária na obra, Botelho, um sujeito que vivia de
favor – um agregado – na casa de um comerciante português. Era uma espécie de
sabujo. O livro foi publicado em 1890, no alvorecer da República Velha. Naquela
época, os militares estavam com a bola cheia. Em 1889, protagonizaram a
proclamação da República e, nos anos seguintes, exerceriam papel de relevo no
novo regime.
O
mundo mudou muito desde então e os militares perderam protagonismo, voltaram
aos quarteis. Até recentemente isso tinha ocorrido até mesmo no Brasil, que,
sob muitos aspectos, teima em permanecer no século XIX, quiçá na Idade Média.
Assim, os Botelhos da marcante obra de Aluísio Azevedo reduziram-se durante
muito tempo, tornaram-se anacrônicos. A admiração pueril pelo militarismo,
idem.
Na
adolescência, li e gostei de “O Cortiço”. É uma obra que ajuda a entender muito
o Brasil daqueles tempos, do final do século XIX. Quem o lê, trafega pela
História; e, como História, costumava-se entender personagens como Botelho, com
sua irreprimível paixão militarista. O problema é que o Brasil é tão
surpreendente que, vira e mexe, estamos repetindo o passado, mesmo o passado
remoto. E repetindo o que há de mais anacrônico, até bizarro. Sendo Botelho.
Afinal,
o que se vive por aqui desde 2018, senão uma lastimável volta ao passado? É
possível identificar, inclusive, muitos Botelhos do século XXI. Mas o pior é
que se consegue, inclusive, combinar o que há de mais nocivo no passado e no
presente: o autoritarismo, a truculência, a incompetência, a corrupção – o que
está vindo à tona na CPI é espantoso –, a fome, a miséria, a desigualdade e a
completa ausência de perspectiva em relação ao futuro.
Muitos,
porém, acenam com a fé. Temos que ter fé em Deus. Muita fé. É isso mesmo: só
com doses cavalares de anestesia religiosa para não conseguir enxergar o que se
passa em volta. Só assim para tornar-se, bovinamente, o Botelho de Aluísio
Azevedo.
É
isso aí. Querem que sejamos todos Botelho.
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