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O desfile da fumaça ou da Venezuela ao Afeganistão

 

Sempre fui um ávido leitor sobre a História política do Brasil do século XX. Sobretudo aquela que se refere à ditadura militar. Embora não tenha ambições de historiador ou de cientista político – nem método ou formação acadêmica – aprendi bastante, desenvolvi algumas ideias e alimentei muitas curiosidades. Uma delas foi vendo fotos da quartelada de 1º de abril de 1964. Os milicos nas ruas, o povo espremido nas calçadas, aquela apreensão que se capta nos semblantes. O que pensa alguém que vê um tanque de guerra na rua numa situação desta? Sempre me perguntei.

Hoje tive a oportunidade de matar a curiosidade. Confesso, desde já, o desapontamento. Esperava uma daquelas paradas dignas da União Soviética, da China ou – vá lá – até da Coreia do Norte. Os velhos veículos passando espaçadamente, soltando tufos de fumaça preta, sob os aplausos delirantes da meia-dúzia de lunáticos que ainda encorpam a claque foi, realmente, constrangedor.

Mas não foi só isso. É terrível perceber que o cidadão desarmado paga impostos que vão se converter em polpudos salários para militares que – armados – vão desfilar para intimidar, exibir poder para o brasileiro pacato. Tudo em nome de uma delirante fantasia de golpe, atrasada em cinco décadas. Houve quem apostasse na sátira, nas piadas, no ridículo. Serve para descontrair. Mas é bom ter cuidado.

Estas mesmas Forças Armadas que são exaltadas como heroicas, que desfrutam de benesses que o brasileiro comum não tem, são as mesmas que, no fim do século XIX, promoveram o massacre em Canudos, aqui mesmo no sertão baiano. Foram celebrados como herois, os mais destacados viraram nome de rua, de praça, de avenida, ergueram-se monumentos e fizeram-se homenagens Brasil afora.

Não, não estou insinuando que isto pode se repetir. Mas é bom lembrar que este heroísmo que se alardeia por aí é muito relativo. Encanta os pançudos que se travestem de super-herois verde-amarelos e vão para as ruas gritar “mito”, mas não passa de empulhação que enganou muito trouxa nas eleições passadas.

Enfim, a sátira diverte, alivia um pouco as tensões, mas é bom manter-se alerta. Antes de chegar ao poder, diziam que pretendiam evitar que o Brasil virasse uma Venezuela. Do jeito que vai, logo seremos coisa pior. Caso não sejam impostos freios – os legais, os constitucionais – e a sociedade não se mobilize, logo isso aqui vira uma Coreia do Norte.

Ou o Afeganistão que, a propósito, registra nesta semana uma ofensiva inédita do grupo Talibã em duas décadas. Vai que os alucinados daqui resolvem se inspirar naquilo lá...

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