Nunca havia pensando nisto, mas sempre tive uma
identidade mais sólida com a BR 116. É que, além dela praticamente ser uma via
urbana na Feira de Santana, sempre me desloquei por ela em inúmeras viagens,
nas mais diversas situações. Nos tempos fervilhantes de movimento estudantil,
conheci-a até Fortaleza, em algumas viagens; deslocando-me em direção ao Sul,
percorri-a até Porto Alegre. Isso para não mencionar viagens aqui mesmo pela
Bahia, que sempre implicam percorrê-la.
Com a BR 101 – a emblemática Rio-Bahia – sempre
cultivei uma relação mais distante. É que ela passa fora da Feira de Santana. Também
percorri longos trechos, em viagens fragmentadas, de João Pessoa até Vitória.
Percorri também um trecho de belas paisagens, entre Porto Alegre e
Florianópolis – num radioso dia de primavera – mas nunca alimentei grande
apreço pela BR 101. Talvez seus trechos perigosos, as suas curvas, sua vocação
litorânea – que atrita com minhas raízes sertanejas – justificassem o
sentimento.
O fato é que, num curto período de férias, recente,
revi este conceito. É que percorri a famosa Rio-Santos, na chamada Costa Verde,
no Litoral Sul do Rio de Janeiro. Nestes tempos tormentosos de pandemia, senti
o bafejo da vida normal – tão ansiosamente aguardada – da melhor forma
possível, deslumbrando-me com magníficas paisagens.
Quem percorre a Via Dutra e envereda pela BR 493 em
direção a Itaguaí – uma rodovia monótona com gado pastando nas planícies e
morros pelados em volta – não desconfia das belezas que se descortinarão à
frente. Abruptamente, na conexão com a BR 101, surgem os primeiros vestígios de
Mata Atlântica e – e pela cor do céu em dia limpo – intui-se a presença do mar,
logo ali.
Curvas sinuosas, aclives e declives, copas
exuberantes de mata nativa, montanhas de pedra, montanhas com vegetação
frondosa, tudo vai deslumbrando os olhos acostumados à monotonia do isolamento
social, aos mesmos horizontes limitados. A manhã azul – azul irretocável – vai expirando,
suave, despejando uma luz úmida, puríssima, filtrada desde o topo das árvores.
Mas, apesar de tanta beleza, talvez as lembranças
mergulhassem nalgum escaninho da memória e, delas, só restasse uma recordação
doce, mas difusa.
Havia, porém, o mar, de um azul-verde cambiante,
impossível de descrever. Mais que ele, graciosas ilhotas se sucedendo, com sua
vegetação ostensiva; estreitíssimas faixas de areia branca – imaculada –
esmagadas pelas montanhas e morros verdejantes e pelo mar azul de tons verdes;
mais além, à distância, a Ilha de Itacuruçá, a Restinga da Marambaia, a Ilha
Grande, às vezes se diluindo numa tênue cortina d’água.
Ao longo da BR 101, placas comunicando aquele
suceder de belezas: depois do acesso a Itaguaí, vinham Itacuruçá, Praia Grande,
Mangaratiba, Conceição do Jacareí, Angra dos Reis, Barra Grande e, por fim,
Parati, no extremo do Litoral Sul do Rio de Janeiro. Travessia de tirar o
fôlego, embora me deslocasse confortavelmente acomodado.
Às margens da Rio-Santos, vilarejos e povoados com
suas apelativas placas comerciais, suas borracharias, seus restaurantes e
hotéis, seu comércio miúdo e – em trechos mais restritos – placas sinalizando
os reluzentes condomínios dos endinheirados.
Sei que a viagem me fascinou, talvez pelo prolongado
período de isolamento social, sem grandes deslocamentos ou rotina de viagens.
Movido pela ânsia comum ao viajante, retornei pretendendo voltar, até já fiz
pesquisas, revi paisagens pela internet.
Só que, desolado, descobri também que as milícias
cariocas e da Baixada Fluminense já estendem seus tentáculos naquela direção,
de olho nos lucros do tráfico de drogas. Durante a viagem, extasiado, até
resgatei um pouco daquele ufanismo pelas belezas brasileiras. O episódio,
porém, tratou de me reapresentar ao Brasil dos dias que vão aí correndo,
tormentosos...
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