Pular para o conteúdo principal

Sinais de Vida

 

A menina que canta no pavimento superior de uma casa de esquina. Cinco anos? Por aí. A vozinha se espraia pela rua silenciosa na Barroquinha. O estudante do Assis Chateaubriand com suas manobras espalhafatosas a bordo de uma bicicleta. A trinca de garotos endiabrados que atravessa a rua na Queimadinha, cantando, batendo palmas, contentes, infantes. A tarde de agosto que agoniza no céu sem nuvens.

– Olha a cebola, olha o tomate, freguesa!

A negra idosa que passa pela rua vendendo verdura, com seu carrinho multicolorido, bonito, na manhã radiosa de inverno. As nuvens encardidas deslizando no céu feirense lembram morrotes bem recortados e somem detrás das fachadas manchadas dos prédios baixos, de poucos pavimentos. O entregador de gás, apressado, manobrando a moto com perícia, a estudante ansiosa, do Assis Chateaubriand, que voltou às aulas.

– Chip da Tim, Claro, Oi, Vivo!

As moças que gritam no calçadão da Sales Barbosa, vendendo chip. A dupla que proseia, descompromissada, aos risos, defronte à borracharia na Avenida Canal. O sujeito que conduz, com perícia, uma braçada amarrada de escovões, na bicicleta, lá na Barroquinha. O trabalhador que suspende a faina e bebe, tranquilo, uma cerveja num box do Centro de Abastecimento, antes do almoço.

O ambulante, vendedor de meias, que não abdica da elegância, os carregadores com seus carrinhos-de-mão percorrendo as feiras-livres, as lojas atacadistas do centro da cidade, a Marechal Deodoro do pedestre, repaginada. Os ônibus, que trafegam pelo chovido rural feirense, estacionados nas cercanias do Centro de Abastecimento, aguardando os passageiros que palmilham as artérias comerciais do centro da Princesa do Sertão.

– Geladão, geladão!

O ambulante que faz acrobacias para vender seu produto ali na subida do Nagé. Os restaurantes acanhados, cheios de mecânicos, borracheiros e comerciários que exercem seu ofício naquelas cercanias. A luz pálida, esbranquiçada, do sol ao meio-dia, prenunciando chuva, conforme sentenciam os entendidos. Os feirenses espremidos nas vans de transporte, os cobradores que anunciam, aos berros, os destinos longínquos.

Tudo transborda de vida. São sinais de vida, da vida que se deseja retomar. Mas, por enquanto, mesmo nas manhãs de luz mais pura de inverno, há a penumbra do vale da sombra da morte que o brasileiro vai atravessando, sem saber quando todo este horror vai findar...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Placas de inauguração contam parte da História do MAP

  Aprendi que a História pode ser contada sob diversas perspectivas. Uma delas, particularmente, desperta minha atenção. É a da Administração Pública. Mais ainda: a dos prédios públicos – sejam eles quais forem – espalhados por aí, Brasil afora. As placas de inauguração, de reinauguração, comemorativas – enfim, todas elas – ajudam a entender os vaivéns dos governos e do próprio País. Sempre que as vejo, me aproximo, leio-as, conectando-me com fragmentos da História, – oficial, vá lá – mas ricos em detalhes para quem busca visualizar em perspectiva. Na manhã do sábado passado caíram chuvas intermitentes sobre a Feira de Santana. Circulando pelo centro da cidade, resolvi esperar a garoa se dispersar no Mercado de Arte Popular, o MAP. Muita gente fazia o mesmo. Lá havia os cheiros habituais – da maniçoba e do sarapatel, dos livros e cordeis, do couro das sandálias e apetrechos sertanejos – mas o que me chamou a atenção, naquele dia, foram quatro placas. Três delas solenes, bem antig...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...